"Uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada."
Charles Dickens (1812 - 1870) - Escritor Inglês

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Frase da Vez

"A maioria das pessoas vive
também em sonhos, 
mas não nos próprios,
eis aí a diferença".
Hermann Hesse
(Calw, 2 de julho de 1877 — Montagnola, 9 de agosto de 1962)
Foi um escritor e pintor alemão, que em 1923 se naturalizou suíço.

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Porto Solidão, por Emerson Silva

Porto Solidão
Emerson Silva

Era dentro da tigela de biscoitos de Tia Nina que eu experienciava um êxtase desmedido. O que os meus sete anos de idade diziam sobre mim, parecia estar submerso naquelas rosquinhas amanteigadas, entremeadas em queijo do Reino. Era tempo em pausa, riso em pauta, adições de natureza. Menino oriundo dos interiores do mundo vivia sob os meus mais pertinentes subterfúgios, ou seja, vida regada ao que realmente importava.

A ociosidade da vida de criança me permitia ver o cair da noite, ainda com os céus destilando as últimas doses de seu brilho matutino. Achava engraçado estas semelhanças: o anoitecer é semelhante ao amanhecer. Vai ver o Universo seja o mesmo, com apenas dois lados de diferença. Semelhante ao exercício litúrgico de Tia Nina, ao tecer nos anversos e avessos de nossas roupas, seus bordados mais profundos. Eram dois lados costurados do mesmo vestido. Cada lado com uma peculiaridade própria, todavia pertencentes ao mesmo cetim.

Na minha observação fiel ao rito da costura, era levado mais uma vez àquele aparente Universo estático, sobretudo à forma esplendorosa com que as manhãs e as noites, mesmo sempre cotidianas, sinalavam para mim. Era como um véu, que no céu parecia querer me esconder alguma coisa. Sabia que não era Deus, quem os lençóis de luzes barrocas desejavam velar-me. Havia uma luz maior dentro de mim que LHE invocava. Maior do que a luz das velas que acendíamos. Costume Luterano que às vezes me confundia. Católicos e Luteranos acendem velas, mas com intencionalidades diferentes.

Luz, visão, dia e noite, eram coisas muito finas para minha infância. Coisas que só quando me tornei adulto aprendi a interpretar. Luz, visão, dia e noite sempre se associava à minha infância com passos. Enquanto dormia, com os meus passos atados pela dura vida difícil de criança, que come biscoito e vive olhando para o céu, ouvia sempre os passos de alguém dentro de casa. Passavam para acender e apagar a luz, passos para o trabalho, passos de quando chegavam do trabalho. Aquele barulho foi responsável por tanta coisa dentro mim. Eu passeava com meu pai e minha mãe em cada momento daqueles sons. Até ouvir o mais perfeito! Quando depois dos exatos 12 passos, contados da porta da sala ao meu quarto, a barba do meu pai encostando-se à minha bochecha, demarcava-me como sua propriedade privada através de um beijo. Já era noite. Da mesma forma que os cachos do cabelo da minha mãe roçavam em meu nariz um rito sacramental que tinha por finalidade comunicar-me a graça: “Bom dia filho, tô indo trabalhar. Fica com Deus!”. Eram os mantras que me configuravam.

Depois de alguns anos, nenhum daqueles passos ouvia mais em casa. Todos passaram a não existir. Alguns não passaram de mim ainda. É o que sinto, quando no exercício da minha devocionalidade luterana acendo as velas para orar. São apenas os meus passos que escuto pela casa, e que novamente se responsabilizam por uma centena de coisas dentro de mim. Talvez sejam estes avessos que constituem uma parte do cristianismo, os teólogos não conseguem dizer tudo, né verdade? Algumas coisas ficam dentro da gente. Esperando talvez que acendamos a vela, olhemos para o céu, costuremos, ou recebamos um beijo para que só assim emane a palavra que nos console. Em Emaús, Jesus é conhecido em um instante muito próximo de sua ausência, todavia: “Não ardia em nossos corações quando ele falou conosco aquele dia”?

Sou um porto filho das saudades. Cais que traduz as centelhas de tempo que imprime em mim o que lhe é próprio: o percurso das ausências. Em uma vontade imensa de conciliar minhas impressionantes histórias de despedidas e promessas de retorno, a um mar que pouco fala sobre mim, fazendo apenas fronteira com quase tudo que desejo. Transeunte em minha carne, navego desde transatlânticos a veleiros de papel. Permito ser tocado em um território exclusivo que só Deus tem acesso. Os passos de quem chega e sai da Igreja. De quem sai prometendo voltar, mas esquece o caminho, retalha em minha carne todas as contradições necessárias para o meu aprimoramento. É o alinhavo que preciso para me aproximar de Deus, até nas horas que penso que Ele está contra mim. Devaneio meu. Se Deus me deu lamentos, não lamento! Deus é maior que meus lamentos. Deus é maior do que eu.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Caricaturas de Esportistas Brasileiras

Marta (1986)


Ana Moser (1968)

Daiane dos Santos (1983)

Fabiana Murer (1981)

Formiga (1978)

Hortência (1959)

Jaqueline (1983)

Maurren Maggi (1976)

Paula (1962)

Maria Esther Bueno (1939 - 2018)

Maria Lenk (1915 - 2007)

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Poesia a Qualquer Hora (316) - Rabindranath Tagore

Última Primavera

Antes que o dia termine,
consente-me este desejo:
vamos colher
flores da primavera
pela última vez.
Das muitas primaveras
que ainda visitarão
tua morada,
concede-me uma,
– implorei.

Todo este tempo,
não prestei atenção
às horas,
perdidas e gastas à toa.

Num lampejo
de um crepúsculo,
li nos teus olhos agora
que meu tempo está próximo
e devo partir.

Assim, ávido, ansioso,
conto um por um
– como o avarento o seu ouro –
os últimos, poucos dias de primavera
que ainda me restam.

Não tenhas medo
Não me demorarei muito
no teu jardim florido,
quando tiver de partir,
no fim do dia.

Não procurarei lágrimas
nos teus olhos
para banhar minhas lembranças
no orvalho da piedade.

Ah, escuta-me,
não te vás.
O sol ainda não se esconde.
Podemos permitir que o tempo
se prolongue.
Não tenhas medo.

Deixa que o sol da tarde
olhe por entre a folhagem
e se detenha um momento
brilhando no negro rio
do teu cabelo.

Faze o tímido esquilo,
perto do lago,
fugir de repente
ao estrépito de teu riso
que irrompe
com descuidosa alegria.

Não procurarei
retardar teus rápidos passos,
sussurrando esquecidas lembranças
aos teus ouvidos.

Segue teu caminho depois,
se teu dever é seguir, se tens de seguir
calcando folhas caídas
com teu andar apressado,
enquanto as aves que voltam
povoam o fim do dia
com o clamor dê seus gritos.

Na escuridão crescente,
tua distante figura
irá fugindo e apagando-se
como as últimas frágeis notas
do cântico da tarde.

Na noite escura,
senta-te à tua janela,
que eu passarei pela estrada,
seguindo o meu trajeto,
deixando tudo para trás.

Se te aprouver,
atira-me
as flores que te dei
pela manhã,
murchas agora ao fim do dia.

Isso vai ser
o último e supremo presente:
tua homenagem
de despedida.

Rabindranath Tagore
[ Saiba + ]

(Tradução de Cecília Meireles)