"Quando José Arcadio Buendía percebeu que a peste tinha invadido a
povoação, reuniu os chefes de família para explicar-lhes o que sabia
sobre a doença da insônia, e estabeleceram medidas para impedir que
o flagelo se alastrasse para as outras povoações do pantanal. Foi
assim que se tiraram dos cabritos os sininhos que os árabes trocavam
por papagaios, se puseram na entrada do povoado, à disposição
dos que desatendiam os conselhos e as súplicas dos sentinelas e
insistiam em visitar a aldeia. Todos os forasteiros que por aquele tempo
percorriam as ruas de Macondo tinham que fazer soar o sininho
para que os doentes soubessem que estavam sãos. Não se lhes
permitia comer nem beber nada durante a sua estada, pois não havia
dúvidas de que adoença só se transmitia pela boca, e todas as coisas
de comer e de beber estavam contaminadas pela insônia. Desta forma,
manteve-se a peste circunscrita ao perímetro do povoado.
Tão eficaz foi a quarentena, que chegou o dia em que a situação de
emergência passou a ser encarada como coisa natural e se organizou
a vida de talmaneira que o trabalho retomou o seu ritmo e ninguém
voltou a se preocupar com o inútil costume de dormir.
para que os doentes soubessem que estavam sãos. Não se lhes
permitia comer nem beber nada durante a sua estada, pois não havia
dúvidas de que adoença só se transmitia pela boca, e todas as coisas
de comer e de beber estavam contaminadas pela insônia. Desta forma,
manteve-se a peste circunscrita ao perímetro do povoado.
Tão eficaz foi a quarentena, que chegou o dia em que a situação de
emergência passou a ser encarada como coisa natural e se organizou
a vida de talmaneira que o trabalho retomou o seu ritmo e ninguém
voltou a se preocupar com o inútil costume de dormir.
Foi Aureliano quem concebeu a fórmula que havia de defendê-los,
durante vários meses, das evasões da memória. Descobriu-a por acaso.
Insone experimentado, por ter sido um dos primeiros, tinha aprendido
com perfeição a arte da ourivesaria. Um dia, estava procurando a
pequena bigorna que utilizava para laminar os metais, e não se lembrou
do seu nome. Seu pai lhe disse: “tás”. Aureliano escreveu o nome num
papel que pregou com cola na base da bigorninha: tás. Assim ficou
certo de não esquecê-lo no futuro. Não lhe ocorreu que fosse aquela
a primeira manifestação do esquecimento, porque o objeto tinha um
nome difícil de lembrar. Mas poucos dias depois, descobriu que tinha
dificuldade de se lembrar de quase todas as coisas do laboratório.
Então, marcou-as com o nome respectivo, de modo que bastava ler a
mesa, cadeira, relógio, porta, parede, cama, panela. Foi ao curral
mesa, cadeira, relógio, porta, parede, cama, panela. Foi ao curral
inscrição para identificá-las. Quando seu pai lhe comunicou o seu pavor
por ter-seesquecido até dos fatos mais impressionantes da sua infância,
Aureliano lhe explicou o seu método, e José Arcadio Buendía o pôs em
prática para toda a casa e mais tarde o impôs a todo o povoado.
Com um pincel cheio de tinta, marcou cada coisa com o seu nome:
e marcou os animais e as plantas: vaca, cabrito, porco, galinha,
aipim, taioba, bananeira. Pouco a pouco, estudando as infinitas
possibilidades do esquecimento, percebeu que podia chegar um
dia em que se reconhecessem as coisas pelas suas inscrições,
mas não se recordasse a sua utilidade. Então foi mais explícito.
O letreiro que pendurou no cachaço da vaca era uma amostra
exemplar da forma pela qual os habitantes de Macondo estavam
dispostos a lutarcontra o esquecimento: Esta é a vaca, tem-se
ordenhá-la todas as manhãs para que produza o leite e preciso
ferver para misturá-lo com o café e fazer café com leite.
Assim, continuaram vivendo numa realidade escorregadia
momentaneamente capturada pelas palavras, mas que de fugir
sem remédio quando esquecessem os valores da letra escrita.
Na entrada do caminho do pântano, puseram um cartaz que
Na entrada do caminho do pântano, puseram um cartaz que
dizia Macondo e outro maior na rua central que dizia Deus existe.
Em todas as casas haviam escrito lembretes para memorizar os
objetos e os sentimentos."
Gabriel García Márquez, em Cem Anos de Solidão.
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