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"Uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada."
Charles Dickens (1812 - 1870) - Escritor Inglês
Charles Dickens (1812 - 1870) - Escritor Inglês
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
Presépio, de Carlos Drummond de Andrade
Presépio
Carlos Drummond de Andrade
Dasdores (assim se chamavam as moças daquele tempo) sentia-se dividida entre a Missa do Galo e o presépio. Se fosse à igreja, o presépio não ficaria armado antes de meia-noite e, se se dedicasse ao segundo, não veria o namorado.
É difícil ver namorado na rua, pois moça não deve sair de casa, salvo para rezar ou visitar parentes. Festas são raras. O cinema ainda não foi inventado, ou, se o foi, não chegou a esta nossa cidade, que é antes uma fazenda crescida. Cabras passeiam nas ruas, um cincerro tilinta: é a tropa. E viúvas espiam de janelas, que se diriam jaulas.
Dasdores e suas numerosas obrigações: cuidar dos irmãos, velar pelos doces de calda, pelas conservas, manejar agulha e bilro, escrever as cartas de todos. Os pais exigem-lhe o máximo, não porque a casa seja pobre, mas porque o primeiro mandamento da educação feminina é: trabalharás dia e noite. Se não trabalhar sempre, se não ocupar todos os minutos, quem sabe de que será capaz a mulher? Quem pode vigiar sonhos de moça? Eles são confusos e perigosos. Portanto, é impedir que se formem. A total ocupação varre o espírito. Dasdores nunca tem tempo para nada. Seu nome, alegre à força de repetido, ressoa pela casa toda. “Dasdores, as dálias já foram regadas hoje?” “Você viu, Dasdores, quem deixou o diabo desse gato furtar a carne?” “Ah, Dasdores, meu bem, prega esse botão para sua mãezinha”. Dasdores multiplica-se, corre, delibera e providencia mil coisas. Mas é um engano supor que se deixou aprisionar por obrigações enfadonhas. Em seu coração ela voa para o sobrado da outra rua, em que, fumando ou alisando o cabelo com brilhantina, está Abelardo.
Das mil maneiras de amar, ó pais, a secreta é a mais ardilosa, e eis a que ocorre na espécie. Dasdores sente-se livre em meio às tarefas, e até mesmo extrai delas algum prazer. (Dir-se-ia que as mulheres foram feitas para o trabalho… Alguma coisa mais do que resignação sustenta as donas-de-casa.) Dasdores sabe combinar o movimento dos braços com a atividade interior — é uma conspiradora — e sempre acha folga para pensar em Abelardo. Esta véspera de Natal, porém, veio encontrá-la completamente desprevenida. O presépio está por armar, a noite caminha, lenta como costuma fazê-lo no interior, mas Dasdores é íntima do relógio grande da sala de jantar, que não perdoa, e mesmo no mais calmo povoado o tempo dá um salto repentino, desafia o incauto: “Agarra-me!” Sucede que ninguém mais, salvo esta moça, pode dispor o presépio, arte comunicada por uma tia já morta. E só Dasdores conhece o lugar de cada peça, determinado há quase dois mil anos, porque cada bicho, cada musgo tem seu papel no nascimento do Menino, e ai do presépio que cede a novidades.
As caixas estão depositadas no chão ou sobre a mesa, e desembrulhá-las é a primeira satisfação entre as que estão infusas na prática ritual da armação do presépio. Todos os irmãos querem colaborar, mas antes atrapalham, e Dasdores prefere ver-se morta a ceder-lhes a responsabilidade plena da direção. Jamais lhes será dado tocar, por exemplo, no Menino Jesus, na Virgem e em São José. Nos pastores, sim, e nas grutas subsidiárias. O melhor seria que não amolassem, e Dasdores passaria o dia inteiro compondo sozinha a paisagem de água e pedras, relva, cães e pinheiros, que há de circundar a manjedoura. Nem todos os animais estão perfeitos; este carneirinho tem uma perna quebrada, que se poderia consertar, mas parece a Dasdores que, assim mutilado e dolorido, o Menino deve querer-lhe mais. Os camelos, bastante miúdos, não guardam proporção com os cameleiros que os tangem; mas são presente da tia morta, e participam da natureza dos animais domésticos, a qual por sua vez participa obscuramente da natureza da família. Através de um sentimento nebuloso, afigura-se-lhe que tudo é uma coisa só, e não há limites para o humano. Dasdores passa os dedos, com ternura, pelos camelinhos; sente neles a macieza da mão de Abelardo.
Alguém bate palmas na escada; ô de casa! amigas que vêm combinar a hora de ir para a igreja. Entram e acham o presépio desarranjado, na sala em desordem. Esta visita come mais tempo, matéria preciosa (“Agarra-me! Agarra-me!”). Quando alguém dispõe apenas de uns poucos minutos para fazer algo de muito importante e que exige não somente largo espaço de tempo mas também uma calma dominadora — algo de muito importante e que não pode absolutamente ser adiado – se esse alguém é nervoso, sua vontade se concentra, numa excitação aguda, e o trabalho começa a surgir, perfeito, de circunstâncias adversas. Dasdores não pertence a essa raça torturada e criadora; figura no ramo também delicado, mas impotente, dos fantasistas. Vão-se as amigas, para voltar duas horas depois, e Dasdores, interrogando o relógio, nele vê apenas o rosto de Abelardo, como também percebe esse rosto de bigode, e a cabeleira lustrosa, e os olhos acesos, dissimulados nas ramagens do papel da parede, e um pouco por toda parte.
A mão continua tocando maquinalmente nas figuras do presépio dispondo-as onde convém. Nada fará com que erre; do passado a tia repete sua lição profunda. Entretanto, o prazer de distribuir as figuras, de fixar a estrela, de espalhar no lago de vidro os patinhos de celulóide, está alterado, ou subtraí-se. Dasdores não o saboreia por inteiro. Ou nele se insinuou o prazer da missa? Ou o medo de que o primeiro, prolongando-se, viesse a impedir o segundo? Ou um sentimento de culpa, ao misturar o sagrado ao profano, dando, talvez, preferência a este último, pois no fundo da caminha de palha suas mãos acariciavam o Menino, mas o que a pele queria sentir sentia, Deus me perdoe — era um calor humano, já sabeis de quem.
Aqui desejaria, porque o mundo é cruel e as histórias também costumam sê-lo, acelerar o ritmo da narrativa, prover Dasdores com os muitos braços de que ela carece para cumprir com sua obrigação, vestir-se violentamente, sair com as amigas — depressa, depressa, ir correndo ladeira acima, encontrar a igreja vazia, o adro já quase deserto, e nenhum Abelardo. Mas seria preciso atribuir-lhe, não braços e pernas suplementares, e sim outra natureza, diferente da que lhe coube, e é pura placidez. Correi, sôfregos, correi ladeira acima, e chegai sempre ou muito tarde ou muito cedo, mas continuai a correr, a matar-vos, sem perspectiva de paz ou conciliação. Não assim os serenos, aqueles que, mesmo sensuais, se policiam. O dono desta noite, depois do Menino, é o relógio, e este vai mastigando seus minutos, seus cinco minutos, seus quinze minutos. Se nos esquecermos dele, talvez pule meia hora, como um prestidigitador furta um ovo, mas, se nos pusermos a contemplá-lo, os números gelam, o ponteiro imobiliza-se, a vida parou rigorosamente. Saber que a vida parou seria reconfortante para Dasdores, que assim lograria folga para localizar condignamente os três reis na estrada, levantar os muros de Belém. Começa a fazê-lo, e o tempo dispara de novo. “Agarra-me! Agarra-me!” Nas cabeças que espiam pela porta entreaberta, no estouvamento dos irmãos, que querem se debruçar sobre o caminho de areia antes que essa esteja espalhada, na muda interrogação da mãe, no sentimento de que a vida é variada demais para caber em instantes tão curtos, no calor que começa a fazer apesar das janelas escancaradas — há uma previsão de malogro iminente. Pronto, este ano não haverá Natal. Nem namorado. E a noite se fundirá num largo pranto sobre o travesseiro.
Mas Dasdores continua, calma e preocupada, cismarenta e repartida, juntando na imaginação os dois deuses, colocando os pastores na posição devida e peculiar à adoração, decifrando os olhos de Abelardo, as mãos de Abelardo, o mistério prestigioso do ser de Abelardo, a auréola que os caminhantes descobriram em torno dos cabelos macios de Abelardo, a pele morena de Jesus, e aquele cigarro — quem botou! — ardendo na areia do presépio, e que Abelardo fumava na outra rua.
>>> Via: Conto Brasileiro >>>
Dia D - Drummond - 111 anos de seu nascimento
O poema "José" de Carlos Drummond de
Andrade, narrado pelo próprio autor!
Andrade, narrado pelo próprio autor!
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
Imagens da Vez: Fotos de Trey Ratcliff
6 Belíssimas Fotos de Trey Ratcliff.
{ + clique nas imagens para ampliá-las +}
Trey Ratcliff (7/7/1971), é fotografo, palestrante e escritor norte-americano.
Mora atualmente na Nova Zelândia.
terça-feira, 29 de outubro de 2013
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Frase para a Semana
“Quando a gente acha que
tem todas as respostas,
vem a vida e muda todas
as perguntas...”
Luís Fernando Veríssimo
(Porto Alegre, 26 de setembro de 1936)
É um escritor brasileiro. Mais conhecido por suas crônicas e
textos de humor, mais precisamente de sátiras de costumes,
publicados diariamente em vários jornais brasileiros, Verissimo
é também cartunista e tradutor, além de roteirista de televisão,
autor de teatro e romancista.
domingo, 27 de outubro de 2013
R.I.P. Lou Reed
Morreu neste domingo, 27, aos 71 anos, o extremamente influente compositor e guitarrista Lou Reed, que ajudou a dar forma a quase 50 anos de rock. A causa da morte não foi oficialmente confirmada, mas ele havia passado por um transplante de fígado em maio.
Lou Reed fez parte na década de 1960 do grupo The Velvet Underground.
Descanse em Paz !!!
(2 de Março de 1942 - 27 de outubro de 2013)
Sebastian Vettel conquista o tetra campeonato do Mundial de Fórmula 1
Sebastian Vettel - Alemanha
Nascimento 03/07/1987
Primeiro GP GP dos EUA 2007
Primeira Pole GP da Itália 2008
Primeira Vitória GP da Itália 2008
Primeiro Pódio GP da Itália 2008
Equipes: BMW Sauber (2007), Toro Rosso (2007-2008), Red Bull (2009-2013)
Vettel, o mais novo tetracampeão da história
da Fórmula-1. Números do campeão até aqui:
Títulos: 4
GPs: 117
Vitórias: 36
Poles: 43
Pódios: 59
Pontos: 1376
Volta Mais Rápidas: 21
Voltas: 6297
Voltas como líder: 2257
sábado, 26 de outubro de 2013
Trilha Sonora (117) - Sérgio Britto
A Minha Cara
Sérgio Britto
Compositores: Sérgio Britto
e Marcelo Fromer
A minha alegria é a sua, eu sou o cantor da rua
A minha alegria é nada, eu sou o cantor da calçada
Eu canto samba e baião, bato palma, o pé no chão
Eu canto rock, rumba e frevo, eu canto, danço e agradeço
Não troco o couro do pandeiro e nem as cordas do violão
Não gasto até juntar dinheiro para uma televisão
Quem sabe eu comprando uma pra mim
A minha cara não aparece lá assim
Quem sabe eu comprando uma pra mim
A minha cara não aparece lá enfim
A minha cara vai bater as asas
Até chegar aí na sua casa
A minha cara vai bater as asas
E vai entrar aí na sua sala
A minha cara vai bater as asas
Eu vou içar a vela da minha jangada
A minha cara vai até a sua casa
E vai sentar na sua sala
Obrigado, obrigado, obrigado meu povo
Obrigado, obrigado e obrigado de novo
Obrigado, obrigado pelo pão, pelo troco
Pelo aplauso, obrigado e obrigado de novo
Eu toco, falo, canto alto, eu sou o cantor do asfalto
Engulo o ar e a fumaça, eu sou o cantor da praça
Eu canto e conto piada, na rua, na calçada
Eu canto, danço e agradeço pela atenção dispensada
Lá na praça, lá na feira, em frente ao estádio
Dinheiro guardei na carteira, um tanto para um rádio
Quem sabe eu comprando um pra mim
A minha voz não aparece lá assim
Quem sabe eu comprando um pra mim
A minha voz não aparece lá enfim
A minha cara vai bater as asas
Até chegar aí na sua casa
A minha cara vai bater as asas
E vai entrar aí na sua sala
A minha cara vai bater as asas
Eu vou içar a vela da minha jangada
A minha cara vai até a sua casa
E vai sentar na sua sala
Obrigado, obrigado, obrigado meu povo
Obrigado, obrigado e obrigado de novo
Obrigado, obrigado pelo pão, pelo troco
Pelo aplauso, obrigado e obrigado de novo
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
Poesia a Qualquer Hora (121) - Nicolas Behr
Ingredientes:
2 conflitos de gerações
4 esperanças perdidas
3 litros de sangue fervido
5 sonhos eróticos
2 canções dos beatles
Modo de preparar:
dissolva os sonhos eróticos
nos dois litros de sangue fervido
e deixe gelar seu coração
leve a mistura ao fogo
adicionando dois conflitos de gerações
às esperanças perdidas
corte tudo em pedacinhos
e repita com as canções dos beatles
o mesmo processo usado com os sonhos
eróticos mas desta vez deixe ferver um
pouco mais e mexa até dissolver
parte do sangue pode ser substituido
por suco de groselha
mas os resultados não serão os mesmos
sirva o poema simples ou com ilusões
Nicolas Behr
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
Imagens da Vez: Pinturas de Roberto Bernardi
3 Pinturas Hiper-realistas de Roberto Bernardi.
Roberto Bernardi, nasceu em Todi (Itália,) em 18 de maio de 1974.
terça-feira, 22 de outubro de 2013
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
Frase para a Semana
“A vida é a arte do
encontro, embora haja
tantos desencontros
nesta vida”
Vinicius de Moraes
(Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1913 - Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980)
Foi um diplomata, dramaturgo, jornalista, poeta e compositor brasileiro
domingo, 20 de outubro de 2013
Dixon é tricampeão da Fórmula Indy; Castroneves fica com o vice-campeonato
O neozeolandês Scott Dixon, da equipe Chip Ganassi, conquistou
ontem seu 3º título na Fórmula Indy. Dixon foi campeão também em
2003 e 2008. O brasileiro Hélio Castroneves, da Penske, que lutava
pelo título, terminou como vicecampeão da IndyCar 2013.
Os 10 primeiros colocados no Campeonato da Fórmula Indy 2013:
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