Em 1801, com a Europa ocupada por Napoleão Bonaparte, esse antigo plano ganhou senso de urgência. Nesse ano, Portugal foi invadido e derrotado por tropas espanholas apoiadas pela França num episódio conhecido como “A Guerra das Laranjas”. Assustado com a fragilidade do reino D. Pedro de Almeida Portugal, terceiro marquês de Alorna escreveu a seguinte recomendação ao príncipe regente D. João: “Vossa Alteza Real tem um grande império no Brasil. [...] É preciso que mande armar com toda a pressa todos os seus navios de guerra e todos os de transporte que se acharem na Praça de Lisboa — e que meta neles a princesa, os seus filhos e os seus tesouros”. Dois anos depois, em 1803, o então chefe do Tesouro Real, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, futuro conde de Linhares, fez ao príncipe regente D. João um relatório da situação política na Europa. Na sua avaliação, o futuro da monarquia portuguesa corria perigo. Seria impossível manter por muito tempo a política de neutralidade entre Inglaterra e França.
A solução? Ir embora para o Brasil.
A solução? Ir embora para o Brasil.
“Portugal não é a melhor parte da monarquia, nem a mais essencial”, escreveu D. Rodrigo. “Depois de devastado por uma longa e sanguinolenta guerra, ainda resta ao seu Soberano, e aos seus povos, irem criar um poderoso império no Brasil.” O novo império americano poderia servir de alicerce para que, mais tarde, D. João pudesse recuperar “tudo que tinha perdido na Europa” e ainda punir o “cruel inimigo”. Segundo D. Rodrigo, “quaisquer que sejam os perigos que acompanhem uma tão nobre e resoluta determinação, são sempre muito inferiores aos que certamente hão de seguir-se à entrada dos franceses nos portos do Reino”.8 A proposta de D. Rodrigo foi rejeitada em 1803, mas quatro anos mais tarde, com as tropas de Napoleão na fronteira, o extraordinário plano de mudança foi colocado em ação. A corte portuguesa estava, finalmente, a caminho do Brasil.
A existência de tantos planos, e tão antigos, explica por que a mudança da corte para o Brasil deu certo em 1807. Foi uma fuga, mas não tão apressada nem tão improvisada como geralmente se imagina. A decisão já havia sido tomada e analisada diversas vezes por diferentes reis, ministros e conselheiros ao longo de quase três séculos. “De outra forma não se explica que tivesse havido tempo, numa terra clássica da imprevidência e morosidade, para depois do anúncio da entrada das tropas francesas no território nacional, embarcar [...] uma corte inteira, com suas alfaias, baixelas, quadros, livros e jóias”, observou o historiador Oliveira Lima.9
Os meses que antecederam a partida foram tensos e agitados. Em 1807, dois grupos tentavam influenciar as decisões do indeciso príncipe regente. O “partido francês”, liderado pelo ministro das Relações Exteriores, Antônio Araújo de Azevedo, primeiro conde da Barca, dizia-se favorável a uma composição com Napoleão e seus aliados espanhóis. O “partido inglês” que acabaria triunfando, tinha como seu principal defensor D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Afilhado do marquês de Pombal, ministro dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, D. Rodrigo era um estadista com visão de longo prazo. Tinha planos ambiciosos em relação ao Brasil. Achava que o futuro e a sobrevivência da monarquia portuguesa dependiam de sua colônia americana. Em 1790, quando era ministro dos Negócios Estrangeiros, havia se aproximado da elite brasileira e patrocinado a ida de estudantes para a Universidade de Coimbra, então o principal centro de estudos do império português. Entre esses estudantes estava José Bonifácio de Andrada e Silva, o futuro Patriarca da Independência brasileira. (...)
Laurentino Gomes, em "1808" - Editora Planeta
Laurentino Gomes, em "1808" - Editora Planeta
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