"Uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada."
Charles Dickens (1812 - 1870) - Escritor Inglês

quinta-feira, 27 de junho de 2019

A Carteira, por Machado de Assis

A Carteira
Machado de Assis

...De repente, Honório olhou para o chão e viu uma carteira. Abaixar-se, apanhá-la e guardá-la foi obra de alguns instantes. Ninguém o viu, salvo um homem que estava à porta de uma loja, e que, sem o conhecer, lhe disse rindo:

- Olhe, se não dá por ela; perdia-a de uma vez.

- É verdade, concordou Honório envergonhado.

Para avaliar a oportunidade desta carteira, é preciso saber que Honório tem de pagar amanhã uma dívida, quatrocentos e tantos mil-réis, e a carteira trazia o bojo recheado. A dívida não parece grande para um homem da posição de Honório, que advoga; mas todas as quantias são grandes ou pequenas, segundo as circunstâncias, e as dele não podiam ser piores. Gastos de família excessivos, a princípio por servir a parentes, e depois por agradar à mulher, que vivia aborrecida da solidão; baile daqui, jantar dali, chapéus, leques, tanta cousa mais, que não havia remédio senão ir descontando o futuro. Endividou-se. Começou pelas contas de lojas e armazéns; passou aos empréstimos, duzentos a um, trezentos a outro, quinhentos a outro, e tudo a crescer, e os bailes a darem-se, e os jantares a comerem-se, um turbilhão perpétuo, uma voragem.

- Tu agora vais bem, não? dizia-lhe ultimamente o Gustavo C..., advogado e familiar da casa.

- Agora vou, mentiu o Honório.

A verdade é que ia mal. Poucas causas, de pequena monta, e constituintes remissos; por desgraça perdera ultimamente um processo, em que fundara grandes esperanças. Não só recebeu pouco, mas até parece que ele lhe tirou alguma cousa à reputação jurídica; em todo caso, andavam mofinas nos jornais.

D. Amélia não sabia nada; ele não contava nada à mulher, bons ou maus negócios. Não contava nada a ninguém. Fingia-se tão alegre como se nadasse em um mar de prosperidades. Quando o Gustavo, que ia todas as noites à casa dele, dizia uma ou duas pilhérias, ele respondia com três e quatro; e depois ia ouvir os trechos de música alemã, que D. Amélia tocava muito bem ao piano, e que o Gustavo escutava com indizível prazer, ou jogavam cartas, ou simplesmente falavam de política.

Um dia, a mulher foi achá-lo dando muitos beijos à filha, criança de quatro anos, e viu-lhe os olhos molhados; ficou espantada, e perguntou-lhe o que era.

- Nada, nada.

Compreende-se que era o medo do futuro e o horror da miséria. Mas as esperanças voltavam com facilidade. A idéia de que os dias melhores tinham de vir dava-lhe conforto para a luta. Estava com, trinta e quatro anos; era o princípio da carreira: todos os princípios são difíceis. E toca a trabalhar, a esperar, a gastar, pedir fiado ou: emprestado, para pagar mal, e a más horas.

A dívida urgente de hoje são uns malditos quatrocentos e tantos mil-réis de carros. Nunca demorou tanto a conta, nem ela cresceu tanto, como agora; e, a rigor, o credor não lhe punha a faca aos peitos; mas disse-lhe hoje uma palavra azeda, com um gesto mau, e Honório quer pagar-lhe hoje mesmo. Eram cinco horas da tarde. Tinha-se lembrado de ir a um agiota, mas voltou sem ousar pedir nada. Ao enfiar pela Rua. da Assembléia é que viu a carteira no chão, apanhou-a, meteu no bolso, e foi andando.

Durante os primeiros minutos, Honório não pensou nada; foi andando, andando, andando, até o Largo da Carioca. No Largo parou alguns instantes, - enfiou depois pela Rua da Carioca, mas voltou logo, e entrou na Rua Uruguaiana. Sem saber como, achou-se daí a pouco no Largo de S. Francisco de Paula; e ainda, sem saber como, entrou em um Café. Pediu alguma cousa e encostou-se à parede, olhando para fora. Tinha medo de abrir a carteira; podia não achar nada, apenas papéis e sem valor para ele. Ao mesmo tempo, e esta era a causa principal das reflexões, a consciência perguntava-lhe se podia utilizar-se do dinheiro que achasse. Não lhe perguntava com o ar de quem não sabe, mas antes com uma expressão irônica e de censura. Podia lançar mão do dinheiro, e ir pagar com ele a dívida? Eis o ponto. A consciência acabou por lhe dizer que não podia, que devia levar a carteira à polícia, ou anunciá-la; mas tão depressa acabava de lhe dizer isto, vinham os apuros da ocasião, e puxavam por ele, e convidavam-no a ir pagar a cocheira. Chegavam mesmo a dizer-lhe que, se fosse ele que a tivesse perdido, ninguém iria entregar-lha; insinuação que lhe deu ânimo.

Tudo isso antes de abrir a carteira. Tirou-a do bolso, finalmente, mas com medo, quase às escondidas; abriu-a, e ficou trêmulo. Tinha dinheiro, muito dinheiro; não contou, mas viu duas notas de duzentos mil-réis, algumas de cinqüenta e vinte; calculou uns setecentos mil-réis ou mais; quando menos, seiscentos. Era a dívida paga; eram menos algumas despesas urgentes. Honório teve tentações de fechar os olhos, correr à cocheira, pagar, e, depois de paga a dívida, adeus; reconciliar-se-ia consigo. Fechou a carteira, e com medo de a perder, tornou a guardá-la.

Mas daí a pouco tirou-a outra vez, e abriu-a, com vontade de contar o dinheiro. Contar para quê? era dele? Afinal venceu-se e contou: eram setecentos e trinta mil-réis. Honório teve um calafrio. Ninguém viu, ninguém soube; podia ser um lance da fortuna, a sua boa sorte, um anjo... Honório teve pena de não crer nos anjos... Mas por que não havia de crer neles? E voltava ao dinheiro, olhava, passava-o pelas mãos; depois, resolvia o contrário, não usar do achado, restituí-lo. Restituí-lo a quem? Tratou de ver se havia na carteira algum sinal.

"Se houver um nome, uma indicação qualquer, não posso utilizar-me do dinheiro," pensou ele.

Esquadrinhou os bolsos da carteira. Achou cartas, que não abriu, bilhetinhos dobrados, que não leu, e por fim um cartão de visita; leu o nome; era do Gustavo. Mas então, a carteira?... Examinou-a por fora, e pareceu-lhe efetivamente do amigo. Voltou ao interior; achou mais dois cartões, mais três, mais cinco. Não havia duvidar; era dele.

A descoberta entristeceu-o. Não podia ficar com o dinheiro, sem praticar um ato ilícito, e, naquele caso, doloroso ao seu coração porque era em dano de um amigo. Todo o castelo levantado esboroou-se como se fosse de cartas. Bebeu a última gota de café, sem reparar que estava frio. Saiu, e só então reparou que era quase noite. Caminhou para casa. Parece que a necessidade ainda lhe deu uns dous empurrões, mas ele resistiu.

"Paciência, disse ele consigo; verei amanhã o que posso fazer."

Chegando a casa, já ali achou o Gustavo, um pouco preocupado, e a própria D. Amélia o parecia também. Entrou rindo, e perguntou ao amigo se lhe faltava alguma cousa.

- Nada.

- Nada?

- Por quê?

- Mete a mão no bolso; não te falta nada?

- Falta-me a carteira, disse o Gustavo sem meter a mão no bolso. Sabes se alguém a achou?

- Achei-a eu, disse Honório entregando-lha.

Gustavo pegou dela precipitadamente, e olhou desconfiado para o amigo. Esse olhar foi para Honório como um golpe de estilete; depois de tanta luta com a necessidade, era um triste prêmio. Sorriu amargamente; e, como o outro lhe perguntasse onde a achara, deu-lhe as explicações precisas.

- Mas conheceste-a?

- Não; achei os teus bilhetes de visita.

Honório deu duas voltas, e foi mudar de toilette para o jantar. Então Gustavo sacou novamente a carteira, abriu-a, foi a um dos bolsos, tirou um dos bilhetinhos, que o outro não quis abrir nem ler, e estendeu-o a D. Amélia, que, ansiosa e trêmula, rasgou-o em trinta mil pedaços: era um bilhetinho de amor.

(º> Via: Biblio >>>

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Frase da Vez

"As convicções são inimigas
 mais perigosas da verdade 
do que as mentiras."
Nietzsche
(Röcken, 15 de Outubro de 1844 - Weimar, 25 de Agosto de 1900)
Foi um filólogo,filósofo, crítico cultural, poeta e compositor alemão. 
Ele escreveu vários textos críticos sobre a religião, a moral, 
a cultura contemporânea, filosofia e ciência, exibindo uma
predileção por metáfora, ironia e aforismo.

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Hoje, 180 anos do Nascimento de Machado de Assis

Hoje, 21 de Junho, 180 anos do nascimento do maior escritor brasileiro...

11 Curiosidades sobre Machado de Assis

Machado de Assis (1839-1908) entrou para a história da língua portuguesa— e também para a história pessoal de muitos de seus leitores —, mas fez muito mais que isso. Conheça histórias menos conhecidas e nada banais da sua vida pessoal e profissional. 

1. O avô de Machado de Assis foi escravo em uma chácara no morro do Livramento, no Rio de Janeiro, onde o escritor nasceu e foi batizado pela dona da casa, Maria José de Mendonça Barroso. Aliás, foi lá que ele aprendeu a ler.

2. Machado foi responsável por uma das primeiras traduções do conto O Corvo, de Edgar Allan Poe. O autor brasileiro falava francês — alguns acreditam que ele aprendeu a língua com um padeiro — e também traduziu Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo.

3. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e ocupou a cadeira 23 — na época, a primeira cadeira foi designada a José de Alencar. Machado foi o primeiro presidente da instituição.

4. Foi apelidado pelos vizinhos de “Bruxo do Cosme Velho”, pois teria queimado cartas em um caldeirão em sua casa que ficava na Rua Cosme Velho. O apelido, entretanto, só pegou quando o poeta Carlos Drummond de Andrade fez o poema A um bruxo, com amor, que reverencia o escritor.

5. Em seu livro Anjo Rafael, Machado de Assis previu a existência da doença folie à deuxantes de ela ser descrita. Isso porque na obra é contada a história de uma filha que é “contagiada” pela loucura do pai, enlouquecendo também. Anos depois da publicação, o mal foi descoberto por pesquisadores. Como se não bastasse, o brasileiro também descobriu a cura para a doença: afastar a pessoa saudável de quem tem o problema mental.

6. O autor era enxadrista e participou do primeiro campeonato brasileiro do esporte mental, ficando em terceiro lugar. As peças que utilizou estão expostas até hoje na Academia Brasileira de Letras.

7. Ele foi casado por 35 anos com Carolina Machado, que era quatro anos mais velha, mas não tiveram filhos. Alguns especialistas dizem que Carolina era muito inteligente e ajudava na revisão dos textos. Com a morte da mulher, Machado entrou em profunda depressão e escreveu para o amigo Joaquim Nabuco: “Foi-se a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no mundo”.

8. No prefácio da segunda edição de sua obra Poesias Completas, publicada em 1902, a palavra "cegara" foi substituída, na expressão “lhe cegara o juízo”, por um inusitado “cagara”. Calma, a história é ainda pior. Entenda aqui por que a gafe foi ainda maior. Diz a lenda que o próprio Machado teria participado de um mutirão para corrigir os exemplares antes de chegarem ao público. O que se sabe é que alguns escaparam e saíram com o erro.

9. Machado escreveu nove textos teatrais e foi crítico desta forma de arte desde os 21 anos. Também trabalhou como jornalista e, no início da juventude, vendeu doces feitos pela madrasta e engraxou sapatos. Alguns especialistas acreditam que ele chegou a ser coroinha em uma igreja, mas não há confirmações.

10. Em 1888, foi condecorado pelo então imperador Dom Pedro 2º com a Ordem da Rosa e, meses depois, foi indicado para fazer parte da Secretaria da Agricultura. Anos depois, chegou a ocupar o cargo de diretor-geral da viação da Secretaria da Indústria, Viação e Obras Públicas.

11. Era epilético e apresentava sinais de gagueira, o que contribuiu para formação de sua personalidade insegura e reclusa. Além disso, Machado de Assis, por ser mulato, enfrentou muito preconceito para conseguir reconhecimento.

(°> Fonte: Galileu >>>

sábado, 15 de junho de 2019

Ucrânia é a Campeã da Copa do Mundo Sub-20 de 2019

A Ucrânia é a campeã do Mundial Sub-20 de 2019. A Ucrânia venceu 
a Coreia do Sul por 3x1 e conquistou o título inédito da categoria.

<><> Tabela à partir das Oitavas de Final <><>
 

domingo, 9 de junho de 2019

Rita Lee - Uma Autobiografia

Rita Lee – 
Uma Autobiografia 


Editora: Globo - 294 páginas 



Rita Lee Jones, nessa sua autobiografia, nos traz histórias engraçadas, curiosas, sinceras, tristes e peculiares de sua vida tanto pessoal como artística. E conta essas histórias com muito sarcasmo, humor e empatia, desde sua infância, e debocha de tudo e até de si mesma. Lendo, você parece que está escutando ela falar, tão envolvente que são suas histórias. Muito corajosa e sem culpa nenhuma, ela conta tudo ou quase tudo sem nenhum pudor. Fala da participação na banda Tutti-Frutti, na formação dos Mutantes, o casamento tumultuado com Lóki (Arnaldo Baptista ) a quem ela despreza e o chama de farsante; as belas histórias com seus pais (Charles e Chesa) e duas irmãs (Vírginia Lee e Mary Lee ), de uma madrinha (Balú) e uma irmã adotiva italiana (Carú) e de alguns animais de estimação, como uma filhote de onça, onde moravam todos num casarão na Vila Mariana em São Paulo; conta da prisão dela em 1976, durante a ditadura, fala de seus figurinos e faz comentários e revela nuances sobre a composição de suas músicas; o casamento com sua alma gêmea e parceiro musical Roberto de Carvalho, o nascimento dos 3 filhos, a paixão e o ativismo pelos animais... Fala de seus fracassos, devaneios, tropeços, sobre o sucesso e a glória... Está tudo ali, neste belo e bem escrito livro..., e quando esquecia de alguma coisa, o Phanton, um fantasminha, a lembrava no final de cada capítulo... Além destas memórias, o livro traz uma centena de fotos pessoais do acervo da rainha do rock brasileiro...

Além de se tornar um dos títulos mais vendidos do país, o livro coleciona críticas elogiosas. Por causa do livro, Rita foi agraciada pela APCA como melhor autora de 2016 e também pelo Grande Prêmio da Critica, pelos serviços prestados à musica. 

Rita é fodástica e fantástica mesmo... 

‘Lee’, gostei e recomendo esta excelente autobiografia. Sensacional...

Trechos: 
- “Dizem que eu era feliz e sabia, uma infanta normal que passava o dia na minha bem aventurada insignificância, dentro de uma sagrada família onde eu, por tabela, viajava na modernidade das cinco mulheres geniais que me cercavam: Chesa, minha iluminada mãe; Balú, minha fada madrinha; Carú, minha bela irmã adotiva italiana; Mary Lee e Virgínia Lee, minhas duas hilárias manas de sangue. Esse harém desvairado estava sob o comando de Charles, meu pai, 45 anos mais velho que eu, fã de Inezita Barroso, ex-sargento da Revolução de 1932 e provável futuro assassino de Getúlio Vargas. 
O extenso porão, que ocupava toda a área do velho casarão dos anos 1920 da rua Joaquim Távora, 670, na Vila Mariana, era o grande palco das idiossincrasias de nossa família “Addams”. Tinha tetos e paredes forrados com desenhos, paisagens, fotos de artistas de cinema e da música, contos de fadas, animais, santos, marcas de produtos, sobras de pano, capas de revistas, mosaicos de louças quebradas, enfim, pensávamos mil vezes antes de jogar qualquer obra de arte no lixo. Esse visual lisérgico era, claro, obra da mulherada quando ainda nem existia televisão. – p. 07 

- “Um dia a máquina de costura Singer de Chesa engasgou e veio um técnico da firma. Me contaram que eu brincava no chão da copa enquanto minha mãe mostrava pro cara onde a coisa estava enguiçada. O telefone tocou, ela saiu para atender. Quando voltou, me encontrou sozinha no mesmo lugar, olhando petrificada para o cabo de uma chave de fenda enfiada fundo na minha vagina, de onde escorria uma gosma vermelha. O filho da puta do técnico fez aquilo e sumiu do mapa. Foi o grito alucinante da minha mãe que me tirou do torpor e, vendo ela se desesperar, eu abri o mó berreiro também. Não lembro de ter sentido dor, nem do que aconteceu em seguida, certamente deletei esse capítulo. Só sei que desse dia em diante as mulheres olhavam para mim como a pequena órfã. A dor delas certamente foi muito, mas muito maior do que a minha. Chesa, Balú e Carú guardaram a tragédia como o grande segredo do fim do mundo de todos os tempos. Se meu pai ficasse sabendo, provavelmente iria atrás do sujeito para matá-lo e não seria bom para ninguém o chefe da família ir pra cadeia”. – p. 13 

- “Nas férias de julho, a família Buscapé ia a Rio Claro visitar a sede dos Padula. Para nosso alívio, Charles também ficava em Sampa trampando. Dessa vez o harém ia de trem, e a impressão de entrar na majestosa estação da Luz construída pelos ingleses era a de um filme europeu em branco e preto da Segunda Guerra. Tudo para nós era cinema, principalmente na pequena Rio Claro, onde o irmão mais velho de Chesa, tio Nico, além de comandar a alfaiataria Padula, também era dono dos Cines Excelsior e Tabajara. Isso significava que as meninas da Chesa podiam assistir a todas as sessões e ainda encher a cara de drops de anis, tudo grátis! Não bastando tal felicidade, ficávamos todas hospedadas no casarão do vovô Domenico no meio de uma trupe de trocentos tios, tias, primos e primas, todos festeiros e alegres. A mania de forrar paredes e tetos com artistas veio dos italianos, que nesse quesito levavam vantagem com pôsteres e fotos originais distribuídos pela divulgação dos filmes que eram exibidos na cidade. De dois em dois dias mudava a programação. O Excelsior não deixava nada a desejar comparado às salas de São Paulo. Tio Nico era um cinéfilo antenado. Uma única vez fomos passar o Carnaval em Rio Claro, conhecido como um dos mais”. – p. 27 

- “Fiquei chapa da família Dias Baptista, a casa deles era muito mais liberada do que a minha. A mãe pianista, o pai cantor amador de ópera e secretário particular do Ademar de Barros, facilitavam a baderna 24 horas por dia, sete dias por semana. Os cinco membros da família sofriam de rinite, respiravam pela boca, babavam muito e cuspiam quando falavam. Arnaldo e Claudio tinham motos e eu meio que remetia essa boyzice deles à Juventude transviada, apesar de Arnaldo ser fisicamente a cara de Sal Mineo e não de James Dean. Economizei uma graninha dando aulas particulares de inglês para crianças e comprei uma Java de segunda mão, tipo moto-lambreta para principiantes, e tentava alcançar os motoqueiros da Pompeia com suas Triumphs. Aos poucos fui me adaptando aos usos e costumes daquela família que, apesar de não ser muito asseada, me tratava bem e cada vez mais fui conhecendo as idiossincrasias deles”. – p. 59 

-“ Os baianos estavam no exílio quando os Mutas recebem um convite no mínimo suspeito: abrir um show para Edu Lobo no teatro Villaret, em Lisboa, cujo dono era o humorista Raul Solnado. Seria uma piada? Será que nos confundiram com o mpb4? Pagamos para ver, ou melhor, nos pagaram um cachê ridículo para irmos até lá. Sem problema. Chegando ao hotelzinho que nos hospedaria, demos de cara com a cara fechada de Edu na recepção, que nem nos cumprimentou, afinal, lá estavam os Flying Monkeys frente a frente com o “amigo do Plínio”. Em compensação, sua acompanhante, a bela e esfuziante Scarlet Moon, se enturmou conosco no ato e ainda nos apresentou ao simpático Vinicius de Moraes, bebendo e fumando alegremente na salinha do hotel”. – pp. 89 e 90 

-“ Há muito já havia perdoado Loki por ter me expulsado dos Mutas daquela maneira, na verdade deveria agradecer-lhe por me livrar da vergonhosa fase Yes Patropi. Estarei mentindo se disser que depois da minha saída os Mutas não emplacaram uma, enquanto eu acertava todas? I don’t think so (Eu acho que não)
Um dia, Loki toca a campainha do meu sobradinho, magro e deprê, queria entrar para conversar. Contou que pegara uma doença desagradável nos “países baixos” e pediu se poderia pernoitar lá apenas uma noite, que a namorada o botou pra fora e tal. Eu e minha imbecilidade concordamos. Na manhã seguinte, pediu Charles, o Jeep, emprestado, dizendo que ia buscar um instrumento de presente para mim, que queria me compensar pela pindaíba depois que fui saída da banda, que dali meia hora estaria de volta e tal. Lembrei-o da última vez que emprestei e ele sequestrou o anjo do cemitério. 
“Juro que agora vou te fazer uma boa surpresa”, prometeu ele. Não voltou. De madrugada telefonou contando que me havia feito um grande favor: jogou Charles contra um muro na descida do Minhocão e o abandonou lá para ser guinchado. Perda total. Uma serra elétrica no coração teria doído menos. Quando meu pai soube do fato se descontrolou, queria sacar o revólver e ir à caça daquele maldito. Acabou tendo um piripaque e foi parar no hospital colocar marca-passo. O nosso querido Jeep Willys capô baixo placa 70050 era parte da família desde 1951, aquele que só faltava assobiar para ligar sozinho e vir feito o cavalo do Zorro”. – pp. 139 e 140 

- Roberto, meu amor-perfeito-muso-parceiro, caçula dos três irmãos, filho de Heber e Helyete. Não conheci minha sogra, ela morreu de câncer quando ele tinha cinco anos e logo depois foi adotado pela altiva tia Silvia, irmã mais nova da mãe, que morava num luxuoso apê na Vieira Souto. Contam que Rob aos três anos já arrepiava no piano, o menino sentava no banquinho e de ouvido repetia as músicas que sua mãe acabava de tocar”. – p.161 

-“ Hoje, para um artista se dar bem, ele tem que vender a alma ao cartel empresarial, que por sua vez vende a alma ao cartel político, que vende a alma ao cartel da poderosa nova ordem mundial. Muito diabo pra pouco caldeirão”. – p. 184 

- “Fuçando gavetas, encontrei um texto escrito numa das vezes em que fui parar num hospício, não lembro qual. “E esse maldito relógio me observando? Cadencia os segundos num volume tão alto que não consigo sair do tempo. E ele me engana. Bato o olhar e lá está 5:30:00. Fecho os olhos. Sinto dores, medito sobre a vida, lembro cenas da infância, rezo, o corpo aprisionado por eletrodos, a bexiga estourando com o soro pingando. Abro os olhos e vejo o desgraçado lá, com cara de pizza, cravando 5:30:01. E ainda pregado torto na parede. O tique-taque dele versus meu toc. Patético. Antes de sair daqui vou amarrar o canalha no trilho de trem que nem Nossa Senhora Desatadora dos Nós pra livrar. Enfermeiras entram e saem do quarto, denuncio a má índole do cara na parede e elas sorriem, imaginando minha abstinência dos tarjas pretas. Não sei quando sairei daqui, o que sei é que você, relógio anticristo, vai morrê ê ê ê! Fique aí se divertindo com minha loucura e prepare-se porque vou estraçalhar seu vidro, torcer seus ponteiros e arrancar seus números a unha. E ao olhar os cacos espalhados pelo quarto, finalmente direi: “Agora vamos ver quem é que manda nessa porra de tempo!” – p. 196 

- “Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para uma rua sem saída. Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão “Ovelha negra”, as tvs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória para exibir no telejornal do dia e uma notinha no obituário de algumas revistas há de sair. Nas redes virtuais, alguns dirão: “Ué, pensei que a véia já tivesse morrido, kkk”. Nenhum político se atreverá a comparecer ao meu velório, uma vez que nunca compareci ao palanque de nenhum deles e me levantaria do caixão para vaiá-los. Enquanto isso, estarei eu de alma presente no céu tocando minha autoharp e cantando para Deus: 'Thank you Lord, finally sedated'” (Obrigada, Senhor, finalmente sedada.) Epitáfio: Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa”. – p. 266

A Autora:
Rita Lee Jones, nasceu em São Paulo no dia 31 de dezembro de 1947. Filha do dentista Charles Fenley Jones, um imigrante americano, e da pianista Romilda Pádua Jones. Rita Lee é uma cantora e compositora brasileira. Considerada uma das maiores representantes do Rock no Brasil, ocupa hoje um espaço único no universo da música popular brasileira.Além de sua autobiografia, escreveu quatro livros infantis, entre 1986 e 1992, tendo como protagonista o rato cientista Dr. Alex: Dr. Alex (1986), Dr. Alex e os Reis de Angra (1988), Dr. Alex na Amazônia (1990), Dr. Alex e o Oráculo de Quartz (1992). Em 2013, publicou o livro Storynhas, ilustrado por Laerte e publicou também Dropz (2017) e FavoRita (2018)

Contracapa do livro






sábado, 8 de junho de 2019

Poesia a Qualquer Hora (324) - Da Costa e Silva

Vou Agora Sonhar... 

A minha vida, sempre inquieta como o mar, 
É de renúncia, sacrifício e desencanto: 
Enquanto vão e vêm as ondas do meu pranto, 
Estende-se o horizonte, além do meu olhar...

Na imensidade azul fico a cismar, enquanto, 
A refletir o céu, vai-se acalmando o mar... 
Acalma-se também minha dor, por encanto: 
— Já cansei de sofrer! Vou agora sonhar...

Da Costa e Silva
[ Saiba + ]

sábado, 1 de junho de 2019

Liverpool é o Campeão da Liga dos Campeões da Europa 2019

O Liverpool é o campeão da Champions League 2019.
 O time inglês conquistou seu sexto título na competição.

<><> Tabela à partir das Oitavas de Final <><>

Trilha Sonora (322) - Elba Ramalho e Dominguinhos

De Volta pro meu Aconchego
Elba Ramalho e Dominguinhos
Compositores: Dominguinhos e Nando Cordel


Estou de volta pro meu aconchego
Trazendo na mala bastante saudade
Querendo
Um sorriso sincero, um abraço,
Para aliviar meu cansaço
E toda essa minha vontade

Que bom,
Poder tá contigo de novo,
Roçando teu corpo e beijando você,
Pra mim tu és a estrela mais linda
Seus olhos me prendem, fascinam,
A paz que eu gosto de ter.

É duro, ficar sem você
Vez em quando
Parece que falta um pedaço de mim
Me alegro na hora de regressar
Parece que eu vou mergulhar
Na felicidade sem fim

Estou de volta pro meu aconchego
Trazendo na mala bastante saudade
Querendo
Um sorriso sincero, um abraço,
Para aliviar meu cansaço
E toda essa minha vontade

Que bom,
Poder tá contigo de novo,
Roçando o teu corpo e beijando você,
"Prá" mim tu és a estrela mais linda
Seus olhos me prendem, fascinam,
A paz que eu gosto de ter.

É duro, ficar sem você
Vez em quando
Parece que falta um pedaço de mim
Me alegro na hora de regressar
Parece que eu vou mergulhar
Na felicidade sem fim

Parabéns Tupaciguara - 107 Anos