Holocausto Brasileiro
Autora: Daniela Arbex
255 páginas
Editora: Geração
"Holocausto Brasileiro - Neste livro-reportagem fundamental,
a premiada jornalista Daniela Arbex resgata do esquecimento um dos capítulos
mais macabros da nossa história: a barbárie e a desumanidade praticadas,
durante a maior parte do século XX, no maior hospício do Brasil, conhecido por
Colônia, situado na cidade mineira de Barbacena. Ao fazê-lo, a autora traz à
luz um genocídio cometido, sistematicamente, pelo Estado brasileiro, com a
conivência de médicos, funcionários e também da população, pois nenhuma
violação dos direitos humanos mais básicos se sustenta por tanto tempo sem a
omissão da sociedade.
Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros da
Colônia. Em sua maioria, haviam sido internadas à força. Cerca de 70% não
tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcoólatras,
homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornara incômoda
para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas violentadas por seus patrões,
esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de
fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres que
haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos 33 eram
crianças.
Quando chegavam ao hospício, suas cabeças eram raspadas,
suas roupas arrancadas e seus nomes descartados pelos funcionários, que os
rebatizavam. Daniela Arbex devolve nome, história e identidade aos pacientes,
verdadeiros sobreviventes de um holocausto, como Maria de Jesus, internada
porque se sentia triste, ou Antônio Gomes da Silva, sem diagnóstico, que, dos
34 anos de internação, ficou mudo durante 21 anos porque ninguém se lembrou de
perguntar se ele falava.
Os pacientes da Colônia às vezes comiam ratos, bebiam água
do esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violados. Nas noites
geladas da Serra da Mantiqueira, eram deixados ao relento, nus ou cobertos
apenas por trapos. Pelo menos 30 bebês foram roubados de suas mães. As
pacientes conseguiam proteger sua gravidez passando fezes sobre a barriga para
não serem tocadas. Mas, logo depois do parto, os bebês eram tirados de seus
braços e doados.
Alguns morriam de frio, fome e doença. Morriam também de
choque. Às vezes os eletrochoques eram tantos e tão fortes, que a sobrecarga
derrubava a rede do município. Nos períodos de maior lotação, 16 pessoas
morriam a cada dia. Ao morrer, davam lucro. Entre 1969 e 1980, 1.853 corpos de
pacientes do manicômio foram vendidos para 17 faculdades de medicina do país,
sem que ninguém questionasse. Quando houve excesso de cadáveres e o mercado
encolheu, os corpos foram decompostos em ácido, no pátio da Colônia, diante dos
pacientes, para que as ossadas pudessem ser comercializadas. Nada se perdia,
exceto a vida.
No início dos anos 60, depois de conhecer a Colônia, o
fotógrafo Luiz Alfredo, da revista O Cruzeiro, desabafou com o chefe: 'Aquilo é
um assassinato em massa'. Em 1979, o psiquiatra italiano Franco Basaglia, pioneiro
da luta pelo fim dos manicômios que também visitou a Colônia, declarou numa
coletiva de imprensa: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar
nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como essa'".
[ O texto acima está nas “orelhas do livro”
]
Milhares de pessoas foram internados no hospício Colônia em
Barbacena-MG, algumas sem diagnóstico de doença. Considerado o maior hospício
do Brasil, ali as pessoas foram violentadas, torturadas e mortas, sem que
ninguém se importasse com isso. A autora resgata várias histórias sobre o lugar, com
entrevistas feitas com jornalistas, fotógrafos, funcionários e pacientes que sobreviveram a esta tragédia, e serviram de testemunha para a composição do livro. E
os que foram chamados de 'doidos ' denunciaram as loucuras dos 'normais'.
Holocausto Brasileiro. Este título veio a calhar, pois, se
compara ao Holocausto Nazista. 60 mil pessoas foram vilipendiadas, desprezadas e
mortas, onde dignidades foram subtraídas e a humanidade retirada. Uma barbárie que aconteceu com a conivência e
compactuação do Estado, de médicos, funcionários e da população. Alguns denunciaram, e poucos sobreviveram pra contar a história.
O livro conta com várias fotos. É um soco no estômago. Lendo este livro e vendo as fotos, você
sentirá ojeriza de ser, um ser humano. O bicho homem é de uma crueldade sem fim!
Um livro comovente, assustador e impactante. Uma história
que causa revolta e indignação. Um capítulo horrendo e tenebroso na história do Brasil. Indignação, indigna nação!
Desumano, demasiadamente desumano.
Trechos:
_ “Desde o início do século XX, a falta de critério médico para as internações era rotina no lugar onde se padronizava tudo, inclusive os diagnósticos. Maria de Jesus, brasileira de apenas vinte e três anos, teve o Colônia como destino, em 1911, porque apresentava tristeza como sintoma. Assim como ela, a estimativa é que 70% dos atendidos não sofressem de doença mental. Apenas eram diferentes ou ameaçavam a ordem pública. Por isso, o Colônia tornou–se destino de desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive os chamados insanos. A teoria eugenista, que sustentava a ideia de limpeza social, fortalecia o hospital e justificava seus abusos. Livrar a sociedade da escória, desfazendo-se dela, de preferência em local que a vista não pudesse alcançar.” – p. 25
Eles abarrotavam os vagões de carga de maneira idêntica
aos judeus levados,
durante a Segunda Guerra Mundial, para os campos de
concentração nazistas de
Auschwitz. A expressão “trem de doido” surgiu ali. Criada
pelo escritor
Guimarães Rosa, ela foi incorporada ao vocabulário dos
mineiros para definir
algo positivo, mas, à época, marcava o início de uma
viagem sem volta ao
inferno.” – p.27
-“O hospital acabou tendo a sua finalidade deturpada desde os primeiros tempos. Já em 1914, há registros de queixas sobre as condições inadequadas de atendimento, apesar das constantes liberações de suplementos de créditos aprovados pela Assembleia Legislativa. Considerado pela história oficial como um presente de grego para Barbacena — já que o hospício foi construído na cidade como prêmio de consolação, após perder a disputa com Belo Horizonte para ser a capital de Minas —, o Colônia, pelo contrário, atendeu a interesses políticos, impulsionando ainda a economia local. Além de produtor de flores, o município consolidou sua vocação para o comércio. Ganhou (e muito) fornecedores, além de moradores que viam no lugar a chance de um emprego bem remunerado, apesar da pouca qualificação dos candidatos. Mesmo com baixíssimo nível de escolaridade, os barbacenenses trocavam postos de trabalho por votos. Muitos coronéis da política mineira “nasceram” junto com o Colônia, transformando o hospital em grande curral eleitoral.” – p. 30
- “— A tolerância mórbida dos psiquiatras se estendeu ao meio médico, em cujas faculdades os cursos de anatomia são abastecidos por generosa quota de cadáveres provenientes de Barbacena. Os hospitais de crônicos da rede pública são “instituições finais”, numa alusão à “solução final” do nazismo. A realidade brutal de nossos hospitais psiquiátricos, enquanto permanecer restrita aos meios profissionais, mostra-se inteiramente inócua, pois há uma acomodação, na qual todo aquele horror se torna banal.” P. 204
- “O fato é que a história do Colônia é a nossa história. Ela representa a vergonha da omissão coletiva que faz mais e mais vítimas no Brasil. Os campos de concentração vão além de Barbacena. Estão de volta nos hospitais públicos lotados que continuam a funcionar precariamente em muitas outras cidades brasileiras. Multiplicam–se nas prisões, nos centros de socioeducação para adolescentes em conflito com a lei, nas comunidades à mercê do tráfico. O descaso diante da realidade nos transforma em prisioneiros dela. Ao ignorá-la, nos tornamos cúmplices dos crimes que se repetem diariamente diante de nossos olhos. Enquanto o silêncio acobertar a indiferença, a sociedade continuará avançando em direção ao passado de barbárie. É tempo de escrever uma nova história e de mudar o final.” – p. 255
A autora:
Daniela Arbex é uma das jornalistas do Brasil mais premiadas
de sua geração. Repórter especial do jornal Tribuna de Minas há 18 anos, tem no
currículo mais de 20 prêmios nacionais e internacionais, entre eles três
prêmios Esso, o mais recente recebido em 2012 com a série “Holocausto Brasileiro”, dois prêmios Vladimir Herzog (menção honrosa), o Knight
International Journalism Award, entregue nos Estados Unidos (2010), e o prêmio
IPYS de Melhor Investigação Jornalística da América Latina e Caribe
(Transparência Internacional e Instituto Prensa y Sociedad), recebido por ela
em 2009, quando foi a vencedora, e 2012 (menção honrosa). Em 2002, ela foi
premiada na Europa com o Natali Prize (menção honrosa).
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