Crer ou não Crer
(Uma conversa sem rodeios
entre um historiador ateu
e um padre católico)
Pe. Fábio de Melo
e Leandro Karnal
Editora Planeta – 2017 – 191 páginas
O que pode dizer um homem que fez o voto de se dedicar a Deus a outro que está plenamente convencido de Deus não existe? O que pode ouvir um crente de um ateu? O que um ateu pode aprender? São questões assim que guiaram o encontro entre o padre Fábio de Melo e o historiador Leandro Karnal e resultaram neste livro. Um debate rico e respeitoso entre um cético e um católico que oferece uma referência importante aos brasileiros crentes e não crentes. Com coragem para provocar um ao outro e humildade para aceitar os argumentos, os autores discutiram pontos fundamentais, como se o mundo é melhor ou pior sem Deus e se a religião ajuda ou atrapalha. Questionaram o quanto a fé faz falta e discutiram as esperanças, os medos e a morte no horizonte de quem crê e quem não crê. Não se prenderam à tradicional polêmica da existência de um Deus. Foram muito além para tentar entender o que faz uma pessoa acreditar e confiar em uma vida eterna e o que leva outra a duvidar e renunciar ao conforto de uma religião. Crer ou não crer é o resultado de muitas horas de conversa entre um dos padres mais amados do país com um dos mais populares historiadores. Uma obra que irá agradar e enriquecer milhões de leitores. [Texto da contra capa]
O que resultaria uma conversa entre um padre católico e um professor ateu? Resultou neste franco e enriquecedor livro. Esta obra não é para quem duvida ou acredita em Deus, e sim, um livro para conhecer melhor a teologia, a filosofia e o que pensam cada um dos autores. Nenhum dos dois quis chamar o outro para o seu lado, e sim, dialogaram sobre a religião e não religião que os envolvem. Em um diálogo respeitoso, eles debatem vários assuntos além do crer e o não crer. Dois amigos e autores que divergem na religiosidade, mas que convergem em várias outras ideias e em vários pontos estruturais e pessoais. O livro foi inspirado na obra “Em que creem os que não creem?”, feito a partir de cartas trocadas entre o escritor italiano Umberto Eco e o cardeal de Roma, Carlo Maria Martini. O livro conta na parte final com um glossário das palavras, expressões e de nomes citados.
Gostei deveras da obra, foi uma enriquecedora leitura, tanto filosófica, quanto espiritualmente falando. Recomendo!
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Trechos:
- “Perguntaram um dia a alguém se havia ateus verdadeiros. Você acredita, respondeu ele, que haja cristãos verdadeiros?”
Diderot – Citado no prefácio por Mario Sergio Cortella – p. 07
(Pe. Fábio): - “Para muitos a oração parece ser uma oportunidade de esclarecer a Deus o que Ele não é capaz de esclarecer sozinho. Rezamos como se estivéssemos dando ordens. Queremos determinar o agir de Deus, como se Ele não soubesse o que precisa
ser feito. É uma inversão de ordem. Nós somos sábios, conscientes de toda realidade, pedindo que Deus faça o que julgamos achar ser o melhor a ser feito. Não me adapto a essa religiosidade. Eu prefiro fazer da minha oração uma oportunidade de confiar a Deus as minhas necessidades. Há muito tempo preferi assumir essa postura. Sempre que eu me colocava diante de Deus como um pedinte, era natural que eu pedisse a Ele o que eu mais queria. Mas nem sempre o meu querer corresponde à minha necessidade. O meu querer está à flor da pele, ao passo que minhas necessidades são mais profundas. Eu sei o que quero, mas nem sempre sei o que necessito.” – p. 24
(Pe. Fábio): “Chesterton fala que quem não acredita em Deus não quer dizer que não acredita em nada, porque começa a acreditar em tudo...” – p. 41
(Karnal): -“Eu acho que a crença das pessoas é, essencialmente, crença em si. É um pouco duro dizer isso, mas nós vivemos a era de adoração a Narciso. Usando uma ideia que é de Agostinho, quando afasto da Bíblia o que eu não quero e seleciono o que quero, eu creio em mim e não na Bíblia. (Pe. Fábio): -“Sim, é muito comum encontrar crentes assim.” – p.53
(Pe. Fábio): -“ Veja bem, particularmente tenho dificuldades em acreditar em um Deus que negocie favores. E o pior, favores que são concedidos mediante exigências sádicas. Alguém promete que atravessará uma passarela de joelhos para que Deus lhe conceda um favor. Há um equívoco por trás dessa compreensão. Não é nenhum problema incorporar a ascese, o sacrifício à prática cristã. Por meio deles educamos nossa vontade. Mas acreditar que Deus necessite de nosso sacrifício voluntário para nos conceder graças é no mínimo atribuir a Ele um desequilíbrio emocional. Falta teologia da graça na interpretação. Tudo em Deus é gratuidade. Em algum momento alguém fez de Deus a leitura que fez de si. A partir de nossa visão mesquinha, estabelecemos nossa relação com Ele. Eu nunca me senti atraído pela ideia de um Deus atrás de um balcão negociando milagres. Essa caricatura do Sagrado é construção humana de extremo mau gosto, e em nada me ajuda a chegar ao conhecimento de sua bondade.” – p. 60
(Karnal): -“... o medo encheu, historicamente, mais igrejas do que o amor. O demônio é mais citado nas atas do Concílio de Trento do que o amor de Deus.” – p. 63
(Pe. Fábio): -“Há pessoas que, na tentativa de viver uma espiritualidade, se limitam a praticar uma religião. Nem sempre a religião consegue melhorar uma estrutura social. Seria ilusão pensar que as pessoas são mais éticas porque são religiosas.” – p. 66
(Pe. Fábio): -“A fé é um dom que se assemelha à semente. Ela nunca é a mesma porque está sempre se transformando.” – p. 88
(Karnal): -“A religião não responde exatamente a essa incapacidade de abstração que domina as pessoas? Eu quero dizer, não é sempre simples quando eu estou dando uma aula e digo para um aluno que o Partido Nazista se chama Nacional Socialista, mas que ele não é de esquerda, é de direita, mesmo se dizendo socialista; assim como cavalo-marinho não é cavalo. Peixe-boi não é peixe nem boi. É um mamífero de rio. Tem gente que não consegue separar o nome da coisa em si.” – p. 112
(Karnal): -“...a morte é um grande divisor de águas. Na verdade, o fato de que todos vamos morrer, inevitavelmente, está na base da estrutura religiosa, porque toda religião, na maneira como ela ocorre, é fúnebre. Os egípcios foram os mais famosos, porque eles viviam para a morte. Mas toda religião é fúnebre, porque ela nos prepara para um além. E talvez a ideia de morte seja uma das grandes críticas que eu faço às religiões.” – p. 152
(Karnal): -“fato de algumas borboletas durarem 48 horas e algumas tartarugas, 150 anos, não faz com que uma vida seja melhor do que a outra. Na verdade, eu acho, inclusive, que a beleza da flor natural é ela morrer. E é o horror da flor de plástico: nunca morre e, por isso, nunca vive.” – p. 153
(Pe. Fábio): -“O discurso cristão me ampara, volto a dizer, e essa impermanência funciona como um sinalizador para aquilo que de fato me importa. É a partir dela que eu
faço a triagem. Mas confesso que os ritos de morte nunca me fizeram bem. Eu tenho dificuldades com a forma como o cristianismo ritualiza o morrer. Acho o velório um acontecimento absolutamente mórbido. Expor um corpo em sua indigência final pode nos dificultar uma visão positiva da morte.” – pp. 155 e 156
(Pe. Fábio): -“Nunca é muito repetir meu carinho: A quem não tem Deus, que tenha, pelo menos, Aristóteles. (Karnal): Amém!” - p. 168
↑Elegante da parte dos dois, este último diálogo do livro.
Os autores:
Padre Fábio de Melo: é mineiro da cidade de Formiga, graduado em Teologia e Filosofia, pós-graduação em Educação e mestre em Teologia Sistemática. É autor de vários livros, entre eles: “Quem me roubou de mim?”, “Tempo de esperas”, “Mulheres cheias de graça”.
Leandro Karnal: é gaúcho de São Leopoldo. Doutor em História social pela USP e especialista em História da América e das Religiões. Publicou diversos livros, entre os quais: “História dos Estados Unidos”, “Pecar e Perdoar”, “Conversas com um Jovem Professor”, “Todos Contra Todos – O Ódio Nosso de Cada Dia”.
Fica a Dica!
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