"Uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada."
Charles Dickens (1812 - 1870) - Escritor Inglês

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Poesia a Qualquer Hora (304) - Cora Coralina

Oração do Pequeno Delinquente

Fazei, Senhor, presente 
a razão dos que me julgam, 
que enquanto os filhos de pais abastados 
tinham escolas escolhidas, 
alimentos, recreação, carinho e brinquedos, 
eu, filho de pais ignorantes e pobres, 
era criança marginalizada, 
perdida pelas ruas, 
detida no pátio das Delegacias 
driblando os guardas, 
solerte e malandrim 
às voltas com o Juizado de Menores. 
Eu tinha fome. 

Sonhava com um bife bem grande. 
Um pastel enorme, uma fruta. 
Um doce sem tamanho. 
Eu era Menor Abandonado. 
Correndo dos guardas 
sozinho, sem escola e faminto. 
Meu Deus, acordai o coração dos meus juízes. 
Senhor, dai idealismo às autoridades 
para que elas criem em cada bairro 
pobre de Goiânia 
uma Escola conjugada Profissional 
e Alfabetização para os meninos pobres, 
antes que eles se percam pelo abandono 
e por medidas inoperantes e superadas dos que tudo podem. 

Mobral... Dai um Mobral 
à criança que não teve lugar 
na Escola Primária ou deixou 
de frequentar por falta de uniforme, 
de livros e de cadernos e taxas 
escolares. 
Enquanto houver no meu País 
uma criança sem escola 
haverá sempre um adulto se evadindo 
de um Mobral. Aumenta o número 
de adultos analfabetos na razão 
direta da criança sem escola, 
aumenta a criminalidade jovem 
na razão direta do Menor Abandonado, 
infrator, corrompido, delinquente 
a caminho da criminalidade do adulto 
pela falta de escolas profissionais, 
escolas de salvação social. 

Cora Coralina

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