Torto Arado
Itamar Vieira Jr.
264 páginas - 2018
Editora: Todavia
“Uma viagem intimista ao mundo rural brasileiro” – Silvia Souto Cunha, Visão
“Um dos grandes romances do ano, que recupera um tema esquecido e grandioso.” – João Céu e Silva, Diário de Notícias
“- Belo, poderoso e comovente, apresenta-nos a grande literatura com uma simplicidade que atormenta.” – Ana Bárbara Pedrosa, Revista Pessoa
[contracapa do livro]
Faz tempo que não lia um romance regional tão bom e realista. Torto Arado de Itamar Vieira Jr, já nasceu clássico. Este belo enredo se passa no interior da Bahia. É a história das irmãs Bibiana e Belonísia. As duas são filhas de Zeca Chapéu Grande e Salu. Zeca Chapéu Grande era curandeiro de corpo e alma dos doentes da região, e às vezes se fazia de líder político e apaziguava conflitos entre os trabalhadores rurais de fazendas da região. Fazendas estas que os trabalhadores (escravos) não tinham direito a nada, não recebiam salário, apenas moradia (só podiam construir casebres de barro e junco, não podiam fazer de alvenaria), e cultivavam roças em seus quintais quando não estavam trabalhando nas colheitas de arroz e cana de açúcar dos seus patrões. Só ganhavam algum dinheiro quando vendiam os cultivos de seus quintais na feira da cidade.
“Um romance que retrata – com extrema habilidade narrativa – um Brasil dolorosamente encalhado no próprio passado escravista. Um texto épico e lírico, realista e mágico.”
O livro é dividido em 3 capítulos: Fio de Corte, Torto Arado e Rio de Sangue. O primeiro é narrado por Bibiana, o segundo por Belonísia e o terceiro por uma entidade do jarê, religião afro-brasileira praticada na região de Água Negra, influenciada pela umbanda, pelo espiritismo e pelo catolicismo.
O livro começa com a narração de Bibiana sobre um acidente na infância das duas irmãs, e que por causa deste acidente para sempre suas vidas estarão ligadas, sendo que uma precisa ser a voz da outra. Este é o mote para o enredo do livro, onde o leitor também encontrará uma representação de um povo sofrido em seus laços familiares e sociais, os traumas e a memória deste povo, que em nenhum momento foi liberto da escravidão.
A obra é uma viagem ao sertão nordestino, onde descendentes de escravos ainda vivem em situações análogas à Escravidão, que foi abolida há mais de 120 anos. O autor tem uma prosa portentosa, rigorosa e melodiosa, não se perdendo em nenhum momento.
Excelente livro. Recomendo esta obra prima!
O livro foi vencedor do Prêmio LeYa 2018
Trechos:
“- Quando Donana levantou a cortina que separava o cômodo em que dormia da cozinha, eu já havia retirada a faca do chão e embrulhado de qualquer jeito no tecido empapado , mas não consegui empurrar de volta a mala de couro para debaixo da cama. Vi o olhar assombrado da minha avó, que desabou sua mão grossa na minha cabeça e na de Belonísia. Ouvi Donana perguntar o que estávamos fazendo ali , porque sua mala estava fora do lugar e que sangue era aquele. ‘Falem’, disse nos ameaçando arrancar a língua, que estava, mal ela sabia, em uma de nossas mãos.” – pág. 16
“-. Foi um tempo difícil. Meu pai se referia àquele período como a pior seca desde 1932. Aquele também foi o último ano que vi uma plantação extensa de arroz naquelas terras. O arroz, dependente de água, foi o primeiro a secar com a estiagem. Depois secaram a cana, as vagens de feijão, os umbuzeiros, os pés de tomates, quiabo e abóbora. Havia uma reserva de grãos guardada em casa e no galpão da fazenda. Com a seca, veio o medo de que nos mandassem embora por falta de trabalho. Depois veio o medo mais imediato da fome. Os grãos passaram a rarear, o feijão acabou antes do arroz, e do arroz restava muito pouco. Havia um razoável suprimento de farinha de mandioca que algumas famílias fabricavam e trocavam por outros alimentos.” - págs.: 67 e 68
“- Pensava que seria melhor se tivesse morrido no dia em que saí de casa. Que poderia ter despencado do cavalo e me estrebuchado no chão sem forças, porque aquela altura minha lamentação não servia de nada. Sabia que, mesmo depois de muitos anos, carregaria aquela vergonha por ter sido ingênua, por ter me deixado encantar por suas cortesias, lábia que não era diferente da de muitos homens que levavam mulheres da casa de seus pais para lhes servirem de escravas. Para depois infernizarem seus dias, baterem até tirar sangue ou a vida, deixando rastro de ódio em seus corpos. Para reclamarem da comida, da limpeza, dos filhos mal criados, do tempo, da casa de paredes que se desfaziam. Para nos apresentarem ao inferno que pode ser a vida de uma mulher”. - págs: 135 e 136
“- O diamante se tornou um enorme feitiço, maldito, porque tudo que é bonito carrega em si a maldição. Vi homens fazerem tratos de sangue, cortando sua carne com os punhais afiados, marcando suas mãos, suas frontes, suas casas, seus objetos de trabalho, suas peneiras de cascalhos e bateias. Vi homens enlouquecerem sem dormir, varando noite e dia no rio Serrano, nas serras, nos garimpos, entocados na escuridão para ver o brilho mudar de lugar. O diamante tem feitiço e no breu podemos ver seu reflexo, de fazer cegar uma coruja, quando anda de um lugar para outro, como um espírito saindo de uma serra, cruzando o céu e descendo num monte ou num rio, na forma de uma luz que chamava a atenção mesmo distante. Os homens enlouqueciam assim, esperando o amanhecer e abrindo fendas no chão onde achavam ter visto a luz entrar, para não encontrar nada. Enlouqueciam sem comer ou tomar banho. Morriam dentro dos buracos ou de tentar apanhar as pedras das mãos dos que haviam encontrado. Morriam de fome porque toda energia de seus corpos ementes era para apanhar o diamante.” – págs.: 203 e 204
O Autor:
Itamar Vieira Júnior nasceu em Salvador (BA), em 1979. É geografo e doutor em estudos étnicos e africanos pela UFBA. Publicou os livros de contos “Dias” e “A Oração do Carrasco” (finalista do Prêmio Jabuti),além de outros textos ficcionais em diversas publicações nacionais e estrangeiras.
Fica a dica!
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