"Uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada."
Charles Dickens (1812 - 1870) - Escritor Inglês

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Sutilezas Literárias # 051 - José Lins do Rego

(...)
"Mas o engenho tinha tudo para mim. Tia Maria tomava conta de mim como se fosse mãe. E a lembrança de rainha mãe enchia os meus retiros de cinza. Por que morrera ela? E de meu pai, por que não me davam notícias? Quando perguntava por ele, afirmavam que estava doente no hospital. E o hospital ia ficando assim um lugar donde não se voltava mais. Via gente do engenho que ia para lá, com carta do meu avô, não retornar nunca. E as negras quando falavam do hospital mudavam a voz: "Foi para o hospital." Queriam dizer que foi morrer.

Tinha um medo doentio da morte. Aquilo da gente apodrecer debaixo da terra, ser comido pelos tapurus, me parecia incompreensível. Todo mundo tinha que morrer. As negras diziam que alguns ficavam para semente. Eu me desejava entre estes felizardos. Por que não podia ficar para semente? Dentro de um navio, enquanto o mundo todo se acabasse. E nesse barco eu me via cercado de tudo que era bicho, e a minha tia Maria, a negra Generosa, a vovó Galdina, o meu avô, tudo que me amava estaria comigo. Esta horrível preocupação da morte tomava conta da minha imaginação.

Uma ocasião estava morrendo no engenho um trabalhador. Levaram-me para vê-lo, estendido na esteira, com a boca meio aberta, arquejando. O homem estava na hora da morte. Aquele rosto lívido e molhado, aqueles olhos revirando, e a boca caída não me fizeram dormir à noite. Acordei aos gritos, com o homem do engenho perto de mim.

— Não deviam ter levado este menino para ver essas coisas!

E a morte deixou essa imagem gravada em minha memória. Vira também a prima Lili no seu caixãozinho de rosas. Mas não parecia morta a minha pobre prima. Ela fora assim mesmo em vida, tão branca, que morta mudara pouco.

O homem do engenho não me deixava ficar sozinho no escuro. Era ele que eu via quando se apagava a luz para dormir. E só podia dormir com uma pessoa junto de mim. Fiquei um menino medroso. De dia, porém, esperando os meus canários, amava a solidão. Era ela que deixava falar o que eu guardava por dentro — as minhas preocupações, os meus medos, os meus sonhos. O mundo de um menino solitário é todo dos seus desejos.

Tudo eu queria ter nesses meus retiros: o tesouro da história de Trancoso, o cavalinho de sela, aquela vara mágica das fadas, que virava em tudo que a gente quisesse. Eu desejava também que a velha Sinhazinha morresse. Então começava a ver a minha inimiga trucidada, com os cavalos desembestados puxando-lhe o corpo pelos espinhos. "(...)

José Lins do Rego, em "Menino de Engenho", páginas 66 à 68
José Olympio Editora - 23ª Edição - 1977

terça-feira, 11 de agosto de 2015

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Frase para a Semana

"Aprendi a procurar a felicidade
 limitando os desejos, em vez
 de tentar satisfazê-los."
Stuart Mill
(Londres, 20 de Maio de 1806 - Avignon-FRA, 8 de Maio de 1873)
Foi um filósofo e economista britânico. Um dos
 pensadores liberais mais influentes do século XIX.

domingo, 9 de agosto de 2015

Recomendo a Leitura: Inferno

Inferno
Dan Brown

Tradução: Fabiano Morais
 e Fernanda Abreu 

Editora Arqueiro - 449 páginas

Neste livro de Dan Brown, o autor nos traz mais uma aventura de Robert Langdon, o professor de simbologia de Harvard, que através de uma das obras primas literárias, O Inferno, - que é a primeira parte da "Divina Comédia" de Dante Alighieri - , o levará a uma corrida contra o tempo, para tentar impedir que um engenhoso plano leve, talvez, a destruição do mundo como conhecemos. Mistérios, reviravoltas, passagens secretas, símbolos e perseguições, tudo isso faz parte do enredo, comum nos livros do autor.

Boa parte da história se passa na Itália, quando Robert Langdon acorda em um hospital, sem saber como foi para lá. E desconfia que alguém o está perseguindo para tentar matá-lo. Contando com ajuda da médica Sienna Brooks, ele consegue fugir deste hospital, e Langdon tentará decifrar o significado do objeto estranho que ele encontrou em seu paletó. Um tubo de metal que projeta o “Mapa do Inferno” de Botticelli, uma famosa obra de arte inspirada no “Inferno” de Dante Alighieri. Junto com Sienna, eles partem em uma alucinada e frenética aventura pela Itália, para tentar desvendar o que está acontecendo. E o vilão da vez é o geneticista Bertrand Zobrist. Ele está empenhado em exterminar metade da população mundial. 

O enredo principal da trama é sobre o crescimento desacelerado e desproporcional da população mundial, e o que isso implica, para o futuro da humanidade. O livro é uma mistura de cultura, religião, literatura, engenharia genética e tecnologia. Além disto tudo, o que acho bem legal nos livros de Dan Brown são as descrições que ele faz dos lugares, da arquitetura e das obras de arte mencionadas no livro. 

O livro é bom, mas, não supera seus anteriores. Uma leitura para conhecermos mais sobre a cultura, a arte e a literatura italiana e discutirmos sobre o papel da Ciência e das Organizações Mundiais para o futuro da humanidade.
*
“Os lugares mais sombrios do Inferno são reservados àqueles que se mantiveram neutros em tempos de crise moral.”  - p. 7

Trechos:
>  “As decisões do passado são os arquitetos do presente.” – p. 25

> "Seja o senhor quem for, deve saber muito bem que a OMS leva a questão da superpopulação muito a sério. Recentemente, gastamos milhões de dólares mandando médicos para a África com a missão de distribuir preservativos gratuitos e instruir as pessoas sobre métodos anticoncepcionais. – Ah, sim! – zombou o homem alto e magro. – E um exército ainda maior de missionários católicos foi para lá em seguida dizer aos africanos que, se eles usassem os tais preservativos, iriam todos para o Inferno. A África agora tem um novo problema ambiental: lixões transbordando de preservativos não utilizados." p. 102

>  "– Era uma tese bem radical. O cronograma previsto era muito mais pessimista do que a estimativas anteriores, mas era sustentado por dados científicos bem sólidos. Zobrist fez muitos inimigos ao declarar que todos os médicos deveriam deixar de atuar porque aumentar a expectativa de vida humana só estava piorando o problema da superpopulação. Langdon agora entendia por que o artigo havia se espalhado tão rapidamente pela comunidade médica. – Como era de esperar – prosseguiu Sienna –, ele foi atacado por todos os lados: políticos, membros do clero, a OMS, todo mundo o ridicularizou como um maluco apocalíptico que estava apenas tentando gerar pânico.
O que causou tanto ressentimento foi a afirmação de que os filhos da juventude de hoje, caso ela decidisse se reproduzir, literalmente testemunhariam o fim da raça humana. Zobrist ilustrava seu argumento com um “Relógio do Apocalipse”, mostrando que, se todo o período da vida humana na Terra fosse concentrado em uma só hora... hoje estaríamos nos últimos segundos." - p. 203 e 204

> "As melhores ilusões são aquelas que contêm o maior número possível de elementos reais." - p. 354


> "Como em todos os grandes santuários, o tamanho prodigioso de Santa Sofia tinha dois objetivos. Em primeiro lugar, servia para provar a Deus quanto o homem era capaz de se esforçar para prestar homenagem a Ele. Em segundo, funcionava como uma espécie de tratamento de choque para os fiéis – um espaço tão imponente que aqueles que nele entravam se sentiam diminuídos, seus egos aniquilados e sua existência física e importância cósmica reduzida ao tamanho de uma simples partícula diante de Deus... um átomo nas mãos do Criador. Até o homem não ser nada, Deus nada pode fazer com ele. Martinho Lutero havia pronunciado essas palavras no século XVI, mas o conceito fazia parte da mentalidade dos construtores desde os primeiros exemplos de arquitetura religiosa." p. 378

> "A tradição cristã privilegiava imagens literais de Deus e santos, ao passo que o Islã se concentrava na caligrafia e nas formas geométricas para representar a beleza do universo de Deus. Segundo a tradição islâmica, como só Deus podia gerar a vida, não cabia ao homem criar imagens que a representassem – fossem elas de Deus, de pessoas ou mesmo de animais.
Langdon se lembrou de ter tentado explicar esse conceito a seus alunos certa vez:
– Um Michelangelo muçulmano, por exemplo, jamais teria pintado o rosto de Deus no teto da Capela Sistina. Em vez disso, teria escrito o nome de Deus. Retratar o rosto Dele teria sido considerado blasfêmia.
Em seguida, explicara por quê:
– Tanto o cristianismo quanto o islamismo são logocêntricos, ou seja, centrados na Palavra. Na tradição cristã, a Palavra se fez carne no livro de João: 'Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós.' Portanto, retratar a Palavra em forma humana era aceitável. Mas, na tradição islâmica, a Palavra não se fez carne, portanto, deve permanecer sob a forma de palavra. Na maioria dos casos, são representações caligráficas dos nomes das figuras sagradas do islamismo. Um de seus alunos resumira a complexa história com uma nota de rodapé curiosamente precisa:
-'Cristãos gostam de rostos; muçulmanos gostam de palavras.'” - p. 379

> "Por fim, Langdon tornou a falar:
– Existe um ditado antigo, muitas vezes atribuído ao próprio Dante...
– Ele fez uma pausa. – 'Lembre-se desta noite, pois ela é o início da eternidade.'” - p. 439

O Autor: 
Dan Brown nasceu em Exeter (New Hampshire), em 22 de junho de 1964. É um escritor norte-americano. Seu primeiro livro, Fortaleza Digital, foi publicado em 1998 nos Estados Unidos. Seu maior sucesso foi o polêmico best-seller O Código da Vinci. É autor também de Anjos e Demônios, Ponto de Impacto e O Simbolo Perdido

Fica a dica!

sábado, 8 de agosto de 2015

5 Links - # 139 >>>

Trilha Sonora (202) - Judas Priest

Breaking the Law
Judas Priest
Compositores: Glenn Tipton, 
K.K. Downing e Håkan Lundqvis
There I was completely wasting
Out of work and down
All inside it's so frustrating
As I drift from town to town
Feel as though nobody cares
If I live or die
So I might as well begin
To put some action in my life

Breaking the law, breaking the law

So much for the golden future
I can't even start
I've had every promise broken
And there's anger in my heart
You don't know what it's like
You don't have a clue
If you did you'd find yourselves
Doing the same thing too

Breaking the law, breaking the law

You don't know what it's like

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Poesia a Qualquer Hora (206) - Paulo Leminski

Aviso aos Náufragos

Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.

Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.

Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não é assim que é a vida?

Paulo Leminski

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

20 anos - Golaço de Marcelinho Carioca contra o Palmeiras

O dia 6 de agosto de 1995 ficou marcado para o torcedor corintiano. 
De virada e com um golaço de Marcelinho Carioca, o Corinthians 
derrotou o Palmeiras e sagrou-se campeão do Paulista de 1995.

FICHA TÉCNICA
CORINTHIANS 2 X 1 PALMEIRAS

Local: Estádio Santa Cruz - Ribeirão Preto (SP)
Data: 06/08/1995
Árbitro: Remi Harrel (França)
Público: 46.594
Renda: R$ 439.108,00
Gols: Nílson (11 - 2º), Marcelinho (15 - 2º) e Elivélton (14 - 2º prorrogação)

CORINTHIANS: Ronaldo; André Santos (Vítor), Célio Silva, Henrique
 e Silvinho; Zé Elias, Bernardo, Marcelinho e Souza (Tupãzinho);
 Viola e Marques (Elivélton). Técnico: Eduardo Amorim

PALMEIRAS: Velloso; Índio, Antônio Carlos, Cléber e Roberto Carlos
 (Flávio Conceição); Amaral, Mancuso, Edílson (Válber) e Rivaldo;
Alex Alves (Nílson) e Muller. Técnico: Carlos Alberto Silva.

Ríver Plate é o Campeão da Libertadores 2015

Após quase 8 meses da conquista da Copa Sul-americana, o
 Ríver Plate da Argentina se tornou, campeão da Liberadores 2015.
 A equipe platina venceu o Tigres do México por 3x0, e
conquistou seu 3.º título no campeonato (1986, 1996 e 2015). 

> Tabela à partir das Oitavas de Final:
 
 

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Cena de Cinema # 186 - Guerra ao Terror

(Guerra ao Terror - 2008) +

Imagens da Vez: A Arte de Pawel Kuczynski

Pawel Kuczynski, artista gráfico polonês que através de sua 
arte faz reflexões e críticas, utilizando-se do humor, para
 tratar da realidade e problemas universais.






Pawel Kuczynski é um cartunista/ilustrador polonês nascido em 1976.
 Graduado pela Academia de Belas Artes de Poznam e especializado 
em Artes Gráficas trabalha com Ilustrações satíricas desde 2004 e já 
foi agraciado com mais de 100 diferentes prêmios.

(°> Via: Ser Melhor >>> [clique e veja mais]

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Frase para a Semana

" Nada é mais humilhante
 do que ver os tolos vencer 
naquilo em que fracassamos. "
Gustave Flaubert
(Rouen, 12 de dezembro de 1821 – Croisset, 8 de maio de 1880) 
Escritor francês. Prosador importante, Flaubert marcou a literatura 
francesa pela profundidade de suas análises psicológicas, seu 
senso de realidade e sua lucidez sobre o comportamento social.

sábado, 1 de agosto de 2015

5 Links - # 138 >>>

Trilha Sonora (201) - The Monkees

Daydream Believer
The Monkees
Compositor: John Stewart
Oh I could hide neath the wings
of the bluebird as she sings
The six o'clock alarm would never ring
but it rings and I rise
wipe the sleep out of my eyes
my shaving razors cold and it stings

(Chorus)
Cheer up sleepy Jean
oh what can it mean
to a daydream believer
and a homecoming queen

You once thought of me
as a white knight on his steed
now you know how happy I can be
oh and our good times start and end
without dollar one to spend
but how much baby do we really need

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Poesia a Qualquer Hora (205) - Ondjaki

Quando eu fui chão para lágrimaterrizagem

de tanta, risada
a hiena ganhou vício
de lacrimealeijar.

porque um dia
exercitei-me de raiz,
compus-me de lamas.
a hiena passante,
desconhecendo.

e, quando parante, irrisonha.
(mas: para testemunhá-la
há que ser existido anedoticamente.)
enraizado para espreitações
— sub-hienado —
vitimizei-me de suas goticulares esferas,
íris desfalecendo humidades.
na provação, soube-me:

de tanto risar tanto
a hiena lacrimealeija é sementes,
sementes para flores salinas.

Ondjaki (Ndalu de Almeida)
[ Saiba + ]

quinta-feira, 30 de julho de 2015

15 anos da Primeira Vitória de Barrichello na Fórmula 1

Há exatos 15 anos, Rubens Barrichello conquistava a primeira vitória
na Fórmula 1. Pilotando a Ferrari, ele venceu o GP da Alemanha no 
circuito de Hockenheim em 30 de julho de 2000, embaixo de chuva e
depois de ter largado em 18º. Pra quem acompanha a F-1,
 foi uma corrida inesquecível.O pódio foi completado com 
 Mika Hakkinen e David Coulthard, ambos da McLaren.
Fazia 7 anos que um brasileiro não vencia na categoria, 
o último, tinha sido Ayrton Senna, em 1993.
Números de Barrichello
- 2 vezes vice-campeão (2002 e 2004)
- 326 GPs disputados - 323 largadas
- 68 Pódios
- 11 Vitórias
- 29 vezes em segundo lugar
- 28 vezes em terceiro lugar
- 14 Pole positions
- 17 Voltas mais rápidas
- 658 pontos
- 16631 voltas
- 854 voltas na liderança

Equipes:
Jordan (1993 a 1996), Stewart (1997 a 1999), Ferrari (2000 a 2005),
 Honda (2006 a 2008), Brawn GP (2009), Williams (2010 e 2011)

Atualmente Barrichello corre na Stock car Brasil 
onde foi campeão no ano passado.

Eu, Cidadão, de Walcyr Carrasco

Eu, Cidadão
Walcyr Carrasco

"Como bom cidadão, decidi racionar meus gastos com energia elétrica. Chamei a empregada:

— Você está proibida de tomar banho aqui em casa.

— Mas o senhor quer que eu vá embora suja?

— Quando for para casa, você vai ter de pegar um

ônibus lotado. O primeiro banho terá sido inútil, pois terá de tomar outro ao chegar. Economize!
Ela me olhou raivosamente. Com certeza não economizou pensamentos!
Lembrei-me dos conselhos de um avô, segundo os quais banhos frios ajudam a manter a pele elástica. Abri o chuveiro.
Ai, que frio! Saí pelo banheiro saltitando como uma rã.
Conversei com meu personal trainer. A esteira gasta, muito energia.

— Você substitui eliminando o elevador.

Moro no 122 andar. Quando cheguei ao terceiro, minhas pernas latejavam. No quarto, eu me agarrava nas paredes como uma lagartixa. No sexto, bati na porta da vizinha, pedindo socorro. As panturrilhas duras recusavam-se a dar sequer um passo! De qualquer maneira, funcionou. Com as pernas em chamas, nem penso em voltar à esteira!

O microondas está criando teias de aranha.

Ultimamente só comia refeições dietéticas adquiridas em supermercados. Entretanto, já que é para usar o fogão a gás... vamos à luta! Chafurdei em salsichas com mostarda. Fiz um bolo de cenoura com calda de chocolate. Ganhei dois quilos, mas sem peso na consciência. Tudo pelo racionamento!

Luz, só para ler. Outro dia recebi visitas no escuro.

— Assim não consigo enxergar o seu rosto — reclamou uma amiga.

— Vamos nos contentar com uma conversa agradável, sem olhar um para o outro — retruquei.

Não ofereci café, pois minha cafeteira é elétrica. Sugeri:

— Aceita um refrigerante morno?

A visita demorou quinze minutos.

Aposentei um antigo e heróico freezer. Era meu orgulho.

Tem bem uns dezessete anos. Aparelhos velhos gastam mais.

— A gente podia criar abelhas dentro dele — propôs o caseiro da chácara. . .

Para tudo há um novo uso: Não seria o impulso para me transformar em um grande produtor de mel? Botamos o freezer encostado na cerca, certos de que abelhas pertencentes a algum movimento das sem colmeia se instalassem. Dois dias depois, ouvimos um barulhinho.

— Não disse que elas vinham? — comemorou o caseiro.

Fomos espiar cautelosamente. Dependurado nas grades havia um bando de... morcegos! Fugimos.

Na chácara há uma piscina. Proibi a limpeza.

— Como o senhor vai nadar?

-— Não vou, neste frio.

A água começa a esverdear. Tento agora descobrir como evitar a dengue. Só temos um problema: o cortador de grama.

— Se eu não cortar, isso aqui vira mato.

Resolvi comprar uma ovelha. Nada mais útil. Poderia pastar e ainda fornecer nutritivos litros de leite. E lã, caso eu encontrasse alguém capaz de fiar e tecer. Foi difícil. Tive de ir até perto de São Roque, onde consegui uma linda e econômica ovelhinha. Mal cheguei, o cachorro rosnou.

— E cão de caça, ele vai querer comer a ovelha.

Não deu outra. O caseiro passou dias de pavor tentando impedir os instintos selvagens do cão. A ovelhinha tremia, e nada de comer a grama! Para sobreviver, teve de dormir presa na cama do caseiro. Está sendo devolvida. Foi um prejuízo, que espero recuperar na conta de luz!

Parei de ouvir música. Para me distrair, canto em voz alta. Assim, além de evitar o meu consumo, evito o dos vizinhos. Ouvi falar em um abaixo-assinado, mas nada ainda chegou até mim.

Já ouvi um zunzunzum falando em camisa-de-força.

Nem sempre uma atitude cívica é bem compreendida. O bom cidadão é, antes de tudo, um mártir! "

Esta crônica foi publicado no livro "Pequenos Delitos"- 2004 - Editora Best Seller