(...)
"Bem, irás entendendo aos poucos a minha filosofia; no dia
em que a houveres penetrado inteiramente, ah! nesse dia terás
o maior prazer da vida, porque não há vinho que embriague como
a verdade. Crê-me, o Humanitismo é o remate das coisas; e eu,
que o formulei, sou o maior homem do mundo. Olha, vês como
o meu bom Quincas Borba está olhando para mim?
Não é ele, é Humanitas... - Mas que Humanitas é esse?
- Humanitas é o princípio. Há nas coisas todas certas substância
recôndita e idêntica, um princípio único, universal, eterno, comum,
indivisível e indestrutível, - ou, para usar a linguagem do grande
Camões: Uma verdade que nas coisas anda,
que mora no visíbil e invisíbil.
Pois essa substância ou verdade, esse princípio indestrutível é
que é Humanitas. Assim lhe chamo, porque resume o universo,
e o universo é o homem. Vais entendendo?
- Pouco; mas, ainda assim, como é que a morte de sua avó...
- Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a
expansão de duas formas, pode determinar a supressão de
uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque
a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra,
e a destruição não atinge o princípio universal
expansão de duas formas, pode determinar a supressão de
uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque
a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra,
e a destruição não atinge o princípio universal
e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra.
Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas.
As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que
assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente,
onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem
em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se
suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso,
é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos
extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da
vitória, os hinos, aclamações,recompensas públicas e todos
os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não
fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo
motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é
aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma
pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói.
Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que
assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente,
onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem
em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se
suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso,
é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos
extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da
vitória, os hinos, aclamações,recompensas públicas e todos
os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não
fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo
motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é
aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma
pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói.
Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
- Mas a opinião do exterminado?
- Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância
é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que
as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica
na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias."
é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que
as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica
na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias."
(...)
Machado de Assis, em Quincas Borba - Capítulo 6
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