(...)
"Uma infinidade de tempo depois, saí da cama e fui para o armário onde guardava o telefone. Não o havia retirado dali desde o pior dos dias. Era simplesmente impossível.
Passo muito tempo pensando naqueles quatro minutos e meio entre eu chegar em casa e o Pai ligar. Stan passou a mão no meu rosto, coisa que ele nunca tinha feito. Peguei o elevador pela última vez. Abri a porta do apartamento, larguei minha mochila e tirei meus sapatos como se tudo estivesse uma maravilha, porque não sabia que na verdade tudo estava horrível, e como poderia saber? Fiz carinho no Buckminster para mostrar que amava ele. Fui ao telefone checar as mensagens e escutei uma depois da outra.
Mensagem um: 8h52 da manhã.
Mensagem dois: 9h12 da manhã.
Mensagem três: 9h31 da manhã.
Mensagem quatro: 9h46 da manhã.
Mensagem cinco: 10h04 da manhã.
Pensei em ligar pra Mãe. Pensei em pegar meu walkie-talkie e entrar em contato com a Vó. Voltei para a primeira mensagem e escutei todas elas de novo. Olhei para o meu relógio. Eram 10h22:21. Pensei em fugir e nunca mais falar com ninguém. Pensei em me esconder debaixo da cama. Pensei em correr até o centro da cidade para ver se havia um jeito de eu mesmo resgatá-lo. E aí o telefone tocou. Olhei para o meu relógio. Eram 10h22:27.
Eu sabia que jamais poderia deixar a Mãe ouvir as mensagens porque protegê-la é uma das minhas mais importantes raisons d’être, portanto o que fiz foi pegar o dinheiro de emergência do Pai em cima de sua cômoda e ir até a Radio Shack da Amsterdam Avenue. Foi em uma TV de lá que vi que p primeiro prédio havia desmoronado. Comprei um telefone exatamente igual, corri para a casa e gravei nele a saudação do nosso telefone anterior. Enrolei o telefone velho no cachecol que a Vó nunca conseguiu terminar por causa do meu segredo, botei ele dentro de uma sacola de compras, depois da sacola em uma caixa, depois a caixa em outra caixa e depois essa caixa debaixo de um monte de coisas no meu armário, como minha prancha de trabalho de joalheria e álbuns de moedas estrangeiras.
Na noite em que decidi que encontrar a fechadura era a maior de minhas raisons d’être – a raison que comandava todas as outras raisons –, tive uma vontade imensa de escutá-lo.
Fui extremamente cuidadoso para não fazer nenhum ruído enquanto retirava o telefone de todas as suas proteções. Mesmo com o volume bem baixo para que a voz do Pai não acordasse a Mãe, ele preenchia o quarto como uma luz preenche um quarto mesmo na penumbra.
Mensagem dois. 9h12 da manhã. Sou eu de novo. Você está aí? Alô? Desculpe se. Está ficando um pouco. Enfumaçado. Esperava que houvesse alguém. Em. Casa. Não sei se estão sabendo o que aconteceu. Mas. Eu. Só queria que soubessem que estou OK. Tudo. Está. Bem. Quando ouvirem esta mensagem, liguem pra Vó. Digam pra ela que está tudo bem. Ligo de novo em alguns minutos. Se tudo der certo os bombeiros estarão. Aqui em cima até lá. Eu ligo.
Enrolei de novo o telefone no cachecol inacabado, depois coloquei o cachecol de volta na sacola, e a sacola na caixa, e a caixa na outra caixa e tudo isso no armário, debaixo de um monte de tranqueiras.
Fiquei olhando para as estrelas de mentirinha por uma infinidade de tempo.
Inventei.
Fiz um roxo em mim mesmo.
Inventei.
Saí da cama, fui até a janela e peguei o walkie-talkie. "Vó? Vó, está me ouvindo? Vó? Vó?" "Oskar?" "Estou bem. Câmbio."
"É tarde. O que aconteceu? Câmbio." "Acordei você? Câmbio." "Não. Câmbio." "O que você está fazendo? Câmbio." "Estava conversando com o inquilino. Câmbio." "Ele ainda está acordado? Câmbio." A mãe me disse para não fazer perguntas sobre o inquilino, mas muitas vezes eu não conseguia evitar. "Sim", disse a Vó, "mas ele acabou de ir embora. Tinha umas pendências para resolver. Câmbio." "Mas são 4h12 da manhã. Câmbio."
Inventei.
Fiz um roxo em mim mesmo.
Inventei.
Saí da cama, fui até a janela e peguei o walkie-talkie. "Vó? Vó, está me ouvindo? Vó? Vó?" "Oskar?" "Estou bem. Câmbio."
"É tarde. O que aconteceu? Câmbio." "Acordei você? Câmbio." "Não. Câmbio." "O que você está fazendo? Câmbio." "Estava conversando com o inquilino. Câmbio." "Ele ainda está acordado? Câmbio." A mãe me disse para não fazer perguntas sobre o inquilino, mas muitas vezes eu não conseguia evitar. "Sim", disse a Vó, "mas ele acabou de ir embora. Tinha umas pendências para resolver. Câmbio." "Mas são 4h12 da manhã. Câmbio."
(...)
Jonathan Safran Foer, em "Extremamente Alto & Incrivelmente Perto"
páginas 80 e 81 - Editora Rocco (2006) - Tradução: Daniel Galera
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