A Negrinha do seu Afonso
Rodrigo Rossi
Em um condomínio no Leblon todos estavam a postos para dar as boas vindas ao Senhor Afonso, presidente de uma empresa do ramo petroleiro que acabara de se mudar para a cobertura do bloco mais luxuoso do local. Uma decoração pomposa, com direito a bolos, doces e salgados finos foi feita no hall de entrada, um maître foi colocado a disposição para recebe-lo e acomoda-lo enquanto os demais tratariam de puxar seu saco a tarde inteira.
Mas Afonso chegou de cabeça baixa, apressado, o maître se inclinou para cumprimenta-lo e ele passou reto, ignorando o empoleirado de pombos da alta sociedade que o aguardavam e simplesmente pegou o elevador e subiu. O silêncio e a incredulidade tomou conta do local, ora como poderiam ser completamente ignorados? Tudo bem que era o Senhor Afonso, mas assim já era demais.
Com o passar do tempo os vizinhos passaram a se acostumar com seu comportamento, era um homem de poucas palavras, porém gentil, conhecia todos os funcionários pelo nome e era comum presenteá-los. Difícil era dizer quando estava presente, vivia indo e vindo, às vezes ficando vários dias sem aparecer.
Em um certo dia Priscila, filha do seu Norberto e de dona Catarina estava aguardando o elevador no saguão. A jovem, quase intoxicada pela cara concretada com várias camadas de maquiagens e indenomináveis técnicas capilares parou olhando o indicador do elevador como uma estátua de cera quando uma belíssima mulher parou ao seu lado e a cumprimentou:
- Boa tarde.
- Boa... - Priscila virou sua cabeça e seus olhos esbugalharam, a garganta ressecou e não conseguiu continuar a frase. Aquela mulher nunca antes havia sido vista, e além de tudo era negra.
Priscila lentamente voltou a cabeça para o outro lado e entreolhou o porteiro, como quem perguntasse de quem se tratava, mas ele deu de ombros e fez uma expressão como quem não conhecesse.
Ambas entraram no elevador e Priscila apertou o terceiro andar, pensando estar fazendo um gesto de generosidade perguntou para que andar a mulher estava se dirigindo:
- Cobertura, por favor.
Priscila levou o dedo ao botão que da cobertura mas travou, seu corpo ficou imóvel e seu olho esquerdo piscava freneticamente em um tique nervoso, ficou assim até que o elevador abriu as portas no terceiro andar.
- Acho que chegou o seu andar - falou a mulher.
- Humpf!
- O que?
- Ahn?
- Como?
- Nada não.
E Priscila saiu, vendo a porta do elevador se fechar e rumar para a cobertura enquanto ela desembarcava em seu mísero terceiro andar. Mas as coisas não ficariam assim, afinal seu pai era o síndico e ela contaria tudo para ele.
Com as frequentes idas e vindas de Afonso e da misteriosa mulher o condomínio começou a se revoltar. Norberto, o síndico, que a princípio estava relutante em tomar alguma atitude começou a receber uma enxurrada de reclamações dos moradores daquela que tratavam por "negrinha do seu Afonso".
Assim que certificou-se que ambos não estavam em casa Norberto tratou de convocar uma reunião de condomínio em segredo, com a ajuda dos subsíndicos e porteiros conseguiu interfonar a todos e aguardava na sala de reunião. A preocupação agora era outra, 90% não sabiam o que significava uma reunião de condomínio e sequer haviam participado de alguma, nem faziam ideia de onde ficava a sala de reuniões.
Norberto ficou surpreso com a quantidade de gente, quando era para tratar de assuntos sérios as reuniões nunca apresentavam mais que 10 pessoas, agora centenas se aglomeravam.
- Bom, devido ao grande número de reclamações que tenho recebido resolvi marcar essa reunião para ouvir de vocês o que querem que seja feito a respeito da negrinha do seu Afonso.
Alguns eram radicais:
- Isso é uma pouca vergonha! Às vezes ela vem e fica a semana inteira, sugiro que sua presença seja banida desse condomínio.
Porém alguns homens tinham grande e real culpa no cartório quando suas esposas saíam e ficaram preocupados que pudessem ser atingidos pela decisão, logo um bate boca estabeleceu-se e, por fim, ficou decidido que a negrinha do seu Afonso poderia acessar o condomínio, desde que utilizasse o elevador de serviço, aos fundos. Os porteiros e os vigias foram orientados.
Um dia a negrinha do seu Afonso entrou no prédio, quando foi se dirigir ao elevador o porteiro se pôs na frente, cruzando os braços; algumas senhoras que estavam no local a olhavam firmes, como vigilantes da moral e dos bons costumes, mas antes que um clima ruim pudesse se estabelecer Afonso logo chegou e segurou-a pelas mãos, afastou o porteiro, sem reação, e chamou o elevador. Ambos subiram à cobertura.
As pessoas na entrada ficaram furiosas, aquilo foi a gota d'água, interfonaram para Norberto e pediram para que interviesse imediatamente. Norberto subiu à cobertura, o elevador dava para a porta de entrada do apartamento e ele tocou a companhia. A mulher atendeu, estava se preparando para sair e vestia um longo que deixou Norberto mudo e de queixo caído:
- Pois não?
- O Afonso se encontra?
- Amor, o síndico quer falar com você.
Amor? Aquilo já era demais e chegou a embrulhar o estômago de Norberto.
- Pois não, entre.
- Senhor Norberto, entenda, não quero que me julgues mal, mas não sou eu, é o pessoal, quero dizer, os condôminos, foi decisão deles.
- Que decisão?
- Essa mulher...
- Minha esposa, Amanda! - interrompe Afonso em tom imperativo.
- Sim, claro, esposa. Se me permite, como se conheceram?
- Bom, não que seja do seu interesse, mas eu era funcionário dela, e ainda sou a bem da verdade, na empresa da qual sou presidente.
- Você quer dizer que ela é a dona?
- Algum problema nisso?
- Não, não... pensando bem... já tenho que ir, foi um prazer.
Afonso acompanha Norberto até a porta e o indaga:
- A gente já se conhecia?
- Não.
- Eu te convidei para vir aqui?
- Não, é que...
- Então, da próxima vez que quiser passar um recado, venha pelo elevador de serviço.
> Via: Diário do Contista >>>
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