"Uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada."
Charles Dickens (1812 - 1870) - Escritor Inglês

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Sutilezas Literárias # 057 - John Steinbeck

(...) Diante do Palace, havia um tronco grande, em que Mack e os rapazes estavam sentados, aproveitando o sol da manhã, Olhavam lá para baixo, na direção do laboratório Doc disse:

— Olhe só para eles. Acho que são os verdadeiros filósofos. Mack e os rapazes sabem tudo o que já aconteceu no mundo e provavelmente tudo o que acontecera. Creio que sobrevivem neste mundo em particular melhor do que as outras pessoas. Mostram-se relaxados numa época em que as pessoas se consomem de ambição, nervosismo e cobiça. Todos os nossos homens supostamente bem sucedidos são doentes, com estômagos ruins e almas piores. Mas Mack e os rapazes são saudáveis e extremamente puros. Podem fazer tudo o que querem. Podem satisfazer seus apetites sem os chamarem de qualquer outra coisa.

O discurso deixou a garganta de Doc tão ressequida que ele esvaziou toda a cerveja que tinha no copo. Sacudiu dois dedos no ar e sorriu, comentando:

— Não há nada como o primeiro gosto de cerveja Richard Frost declarou:

— Acho que eles são iguais a todos os demais. A única diferença é que não têm dinheiro.

— Mas poderiam ter. Sempre poderiam estragar suas vidas para ganhar dinheiro. Mack possui qualidades de gênio. São todos muito espertos, quando querem alguma coisa. Mas conhecem bem demais a natureza das coisas para querê-las desesperadamente.
Se Doc soubesse da tristeza imensa de Mack e dos rapazes não teria feito a declaração seguinte. Mas ninguém lhe falara da pressão social que estava sendo exercida contra os moradores do Palace.

Ele despejou cerveja em seu copo lentamente, enquanto falava:

— Acho que posso dar-lhe uma prova do que estou dizendo. Está vendo como eles estão sentados de frente para cá? Dentro de meia hora, a Parada do Quatro de Julho vai passar pela Lighthouse Avenue. Basta virarem a cabeça para poderem ver. Se levantarem, poderão assistir tudo. E se andarem dois quarteirões não muito grandes, poderão ficar à beira da rua por onde a Parada vai passar. Mas aposto quantas cervejas você quiser que eles nem mesmo vão virar a cabeça.

— Se eles não virarem, o que isso vai provar? — indagou Richard Frost.

— O que vai provar? Ora, simplesmente que eles sabem o que há no desfile. Saberão que o prefeito virá na frente, num automóvel, com faixas no capo. Depois, virá Long Bob, em seu cavalo branco, carregando a bandeira. Em seguida teremos o conselho municipal e duas companhias de soldados do Presídio, os membros de diversas organizações, como os Elks com seus guarda-chuvas roxos, os Knights Templar maçons, com penas brancas de avestruz e espadas, os Knights of Columbus católicos, com penas vermelhas de avestruz e espadas, Mack e os rapazes já sabem de tudo. A banda estará tocando. Eles já viram tudo. Não precisam olhar novamente.

— Não existe o homem que seja capaz de resistir a uma parada — afirmou Richard Frost.

— Quer dizer que aposta?

— Aposto.

Sempre me pareceu muito estranho. As coisas que admiramos nos homens, bondade e generosidade, franqueza, honestidade, compreensão e sentimento são os elementos do fracasso em nosso sistema. E as características que detestamos, astúcia, ganância, cobiça, mesquinharia e egoísmo; são os fatores do sucesso. Enquanto os homens admiram as qualidades que citei, adoram o resultado das outras características.

— Quem vai querer ser bom, se também está com fome?

— Não se trata de uma questão de fome. É algo muito diferente. A venda da alma para se conquistar o mundo é completamente voluntária e quase unânime, mas não totalmente. Por toda parte, no mundo inteiro, existem pessoas como Mack e os rapazes. Já as encontrei vendendo sorvete no México e em Aleut, no Alasca. Sabe que Mack e os rapazes queriam me oferecer uma festa e algo saiu errado. Mas a intenção deles era a de me darem uma festa. Foi o impulso que os motivou. Ei, não é a banda que está tocando?

Doc tornou a despejar cerveja nos copos e os dois se aproximaram da janela.(...)

John Steinbeck, em "A Rua das Ilusões Perdidas" - Editora Rio Gráfica - 
Tradução de: A.B. Pinheiro de Lemos

Nenhum comentário:

Postar um comentário