"Uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada."
Charles Dickens (1812 - 1870) - Escritor Inglês

quinta-feira, 16 de março de 2017

Sutilezas Literárias # 058 - John Steinbeck

(...)
Kino hesitou um momento. Aquele médico não era da sua raça. Era de uma raça que havia quase quatrocentos anos batia, esfomeava, roubava e desprezava a raça de Kino, apavorando-o também de tal modo que era humildemente que o indígena chegava àquela porta. E, como sempre que se aproximava de alguém daquela raça, Kino sentia ao mesmo tempo fraqueza, medo e cólera. A cólera e o terror se juntavam. Podia com mais facilidade matar o médico do que falar com ele, porque todos os homens da raça do médico falavam com todos os homens da raça de Kino como se fossem simples animais. E, quando Kino levantou a mão direita para bater com a argola de ferro no portão, a raiva cresceu dentro dele, a música violenta do inimigo lhe martelou os ouvidos e os lábios se apertaram contra os dentes — mas com a mão esquerda tirou o chapéu. A argola de ferro da aldrava bateu no portão. Kino tirou o chapéu e ficou esperando.

Coyotito gemeu um pouco nos braços de Juana e ela falou suavemente com ele. A gente do cortejo chegou mais perto para melhor ver e ouvir. Um momento depois, o grande portão se abriu alguns centímetros. Kino pôde ver a verde frescura do jardim e a água que caía de uma fonte através do portão entreaberto. O homem que olhava para ele era da sua raça. Kino falou com ele na língua antiga.

—O menino — o primeiro filho — foi envenenado pelo escorpião

— disse Kino. — Precisa do saber do curador.

O portão se fechou um pouco e o criado não quis falar na velha língua.

—Um momento — disse ele. — Vou falar pessoalmente.

Em seguida, fechou o portão e passou o ferrolho. O sol ofuscante lançava sobre o muro branco as compactas sombras pretas do povo. (...)

John Steinbeck, em "A Pérola" (The Pearl) - Editora Best Bolso / Record. Tradução: A.B. Pinheiro de Lemos

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