A Polêmica
Artur Azevedo
O Romualdo tinha perdido, havia já dois ou três meses, o seu lugar de redator numa folha diária; estava sem ganhar vintém vivendo sabe Deus com que dificuldades, a maldizer o instante em que, levada por uma quimera da juventude, se lembrara de abraçar uma carreira tão incerta e precária como a do jornalismo.
Felizmente era solteiro, e o dono da "pensão" onde ele morava fornecia-lhe casa e comida a crédito, em atenção aos belos tempos em que nele tivera o mais pontual dos locatários.
Cansado de oferecer em pura perda os seus serviços literário a quanto jornal havia então no Rio de Janeiro, o Romualdo lembrou-se, um dia, de procurar ocupação no comércio, abandonando para sempre as suas veleidades de escritor público, os seus desejos de consideração e renome. Para isso, foi ter com um negociante rico, por nome Caldas, que tinha sido seu condiscípulo no Colégio Vitório, a quem jamais ocupara, embora ele o tratasse com muita amizade e o tuteasse, quando raras vezes se encontravam na rua.
O negociante ouviu-o, e disse-lhe:
– Tratarei mais tarde de arranjar um emprego que te sirva; por enquanto preciso da tua pena. Sim, da tua pena. Apareceste ao pintar! Foste a sopa que me caiu no mel! Quando entraste por aquela porta, estava eu a matutar, sem saber a quem me dirigisse para prestar-me o serviço que te vou pedir. Confesso que não me tinha lembrado de ti… perdoa…
– Estou às tuas ordens.
– Preciso publicar amanhã, impreterivelmente, no Jornal do Comércio,
um artigo contra o Saraiva.
– Que Saraiva?
– O da rua Direita.
– O João Fernandes Saraiva?
– Esse mesmo.
– E queres tu que seja eu quem escreva esse artigo?
– Sim. Ganharás uns cobres que não te farão mal algum.
A essa palavra "cobres", o Romualdo teve um estremeção de alegria; mas caiu em si:
– Desculpa, Caldas; bem sabes que o Saraiva é, como tu, meu amigo… como tu, foi meu companheiro de colégio…
– Quando conheceres a questão que vai ser o assunto desse artigo, não te recusarás a escrevê-lo, porque não admito que sejas mais amigo dele do que meu. Demais, nota uma coisa: não quero insultá-lo, não quero dizer nada que o fira na sua honra, quero tratá-lo com luva de pelica. Sou eu o primeiro a lastimar que uma questão de dinheiro destruísse a nossa velha amizade. Escreves o artigo?
– Mas…
– Não há mas nem meio mas! O Saraiva nunca saberá que foi escrito por ti.
– Tenho escrúpulos…
– Deixa lá os teus escrúpulos, e ouve de que se trata. Presta-me toda a atenção.