(..) Na conversa, todos se manifestaram de acordo com o uso das armas para depor a Monarquia. Combinou-se um plano pelo qual os participantes ficariam encarregados de agitar os ânimos nos quartéis, estocar armamento e munição e traçar em detalhes o golpe a ser desfechado nos dias seguintes. A certa altura, porém, Benjamin Constant mostrou-se preocupado com o destino do imperador Pedro II.
— O que devemos fazer do nosso imperador? — perguntou.
Fez-se um minuto de silêncio, quebrado pelo alferes Joaquim Inácio:
— Exila-se — propôs.
— Mas se resistir? — insistiu Benjamin.
— Fuzila-se! — sentenciou Joaquim Inácio.
Benjamin assustou-se com tamanho sangue-frio:
— Oh, o senhor é sanguinário! Ao contrário, devemos rodeá-lo de todas as garantias e considerações, porque é um nosso patrício muito digno.
Por uma ironia da história, o “sanguinário” Joaquim Inácio Cardoso, então com 29 anos, viria a ser avô de um futuro presidente da República, o manso Fernando Henrique Cardoso. Para fortuna de Pedro II, no dia 15 de novembro haveria de prevalecer a posição de Benjamin. Em vez de fuzilado, como queria Joaquim Inácio, o imperador seria despachado para o exílio.
Até aquele momento, a conspiração tinha sido essencialmente militar, mas entre os republicanos civis a agitação também era grande. Artigos nos jornais assinados, entre outros, pelo advogado baiano Rui Barbosa de Oliveira e pelo jornalista fluminense Quintino Antônio Ferreira de Sousa Bocaiúva pregavam abertamente a República, objeto de concorridas e ruidosas manifestações promovidas pelo advogado Antônio da Silva Jardim e pelo médico e jornalista José Lopes da Silva Trovão. Alguns incitavam os militares contra o governo imperial, como era o caso dos textos incendiários do gaúcho Júlio Prates de Castilhos no jornal A Federação, de Porto Alegre, mas raros eram os civis que tinham conhecimento da real movimentação nos quartéis. Eles só foram informados disso no começo de novembro. Era esse o conteúdo da mensagem que Medeiros e Albuquerque levara a São Paulo naquela semana.
Dois dias depois de chegar ao Rio de Janeiro, Francisco Glicério foi levado por Aristides Lobo à presença do marechal alagoano Manoel Deodoro da Fonseca, em reunião da qual também participaram Quintino Bocaiúva, Rui Barbosa, Benjamin Constant, o major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro e dois oficiais da Marinha, o almirante Eduardo Wandenkolk e o capitão de fragata
Frederico Guilherme Lorena. Aos 62 anos, com a vida marcada por atos heroicos na Guerra do Paraguai e sucessivos desentendimentos com as autoridades imperiais, Deodoro era o depositário de todas as esperanças dos conspiradores republicanos.
O problema é que, àquela altura, o marechal estava gravemente enfermo. Passava o tempo todo na cama. Temia-se que morresse a qualquer momento. Glicério ficou impressionado com seu aspecto ao vê-lo pela primeira vez às voltas com uma crise de dispneia, falta crônica de ar produzida por arteriosclerose. Atirado sobre o sofá, envolto em um roupão, o marechal nem sequer reunia condições para vestir a farda. O peito arfava, e ele mal conseguia falar. O quadro era tão desalentador que, pelos cálculos do advogado campineiro,
Deodoro não sobreviveria mais do que algumas horas. E, nesse caso, as chances de sucesso da revolução seriam mínimas. Além de muito doente, o marechal até aquele momento relutava em assumir a liderança do movimento contra o governo imperial. Menos animado ainda estava em relação à hipótese de proclamar a República.
Por essas razões, o encontro na noite de 11 de novembro, segunda-feira, apesar de rápido, foi tenso. Benjamin Constant afirmou que não bastava derrubar o ministério sem trocar o regime. A preservação da Monarquia, segundo ele, serviria apenas para agravar os problemas. Era preciso fazer a República. “Está provado que a Monarquia no Brasil é incompatível com um regime de liberdade política”, argumentou Benjamin. “Para que a intervenção do Exército se legitime aos olhos da nação e pelo julgamento de nossas próprias consciências, é necessário que a sua ação se dirija à destruição da Monarquia e à proclamação da República, recolhendo-se em seguida aos seus quartéis e entregando o governo ao poder civil. (...)
Laurentino Gomes em 1989, páginas 41 e 42. Editora Globo
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