"Acocorada junto as pedras que serviam de trempe, a saia de ramagens
entalada entre as coxas, Sinhá Vitória soprava o fogo. Uma nuvem
de cinza voou dos tições e cobriu-lhe a cara, a fumaça inundou-lhe
os olhos, o rosário de contas brancas e azuis desprendeu-se do
cabeção e bateu na panela. Sinhá Vitória limpou as lágrimas com
as costas das mãos, encarquilhou as palpebras, meteu o rosário
no seio e continuou a soprar com vontade, enchendo muito as
bochechas. Labaredas lamberam as achas de angico, esmoreceram,
tornaram a levantar-se e espalharam-se entre as pedras. Sinhá
Vitória aprumou o espinhaço e agitou o abano. Uma chuva de
faíscas mergulhou num banho luminoso a cachorra Baleia, que
se enroscava no calor e cochilava embalada pelas emanações da
comida. Sentindo a deslocação do ar e a crepitacao dos gravetos,
Baleia despertou, retirou-se prudentemente, receosa de sapecar o
tornaram a levantar-se e espalharam-se entre as pedras. Sinhá
Vitória aprumou o espinhaço e agitou o abano. Uma chuva de
faíscas mergulhou num banho luminoso a cachorra Baleia, que
se enroscava no calor e cochilava embalada pelas emanações da
comida. Sentindo a deslocação do ar e a crepitacao dos gravetos,
Baleia despertou, retirou-se prudentemente, receosa de sapecar o
pelo, e ficou observando maravilhada as estrelinhas vermelhas que
se apagavam antes de tocar o chão. Aprovou com um movimento
de cauda aquele fenômeno e desejou expressar a sua admiração
a dona. Chegou-se a ela em saltos curtos, ofegando, ergueu-se nas
pernas traseiras, imitando gente. Mas Sinhá Vitória não queria
saber de elogios.
- Arreda!
Deu um pontapé na cachorra, que se afastou humilhada e com
sentimentos revolucionários.
Sinhá Vitória tinha amanhecido nos seus azeites. Fora de
propósito, dissera ao marido umas inconveniências a respeito
da cama de varas. Fabiano, que nao esperava semelhante desatino,
- Arreda!
Deu um pontapé na cachorra, que se afastou humilhada e com
sentimentos revolucionários.
Sinhá Vitória tinha amanhecido nos seus azeites. Fora de
propósito, dissera ao marido umas inconveniências a respeito
da cama de varas. Fabiano, que nao esperava semelhante desatino,
apenas grunhira: - "Hum! hum!" E amunhecara, porque realmente
mulher é bicho difícil de entender, deitara-se na rede e pegara no sono.
Sinhá Vitória andara para cima e para baixo, procurando em que desabafar.
Como achasse tudo em ordem, queixara-se da vida. E agora vingava-se
em Baleia, dando-lhe um pontapé."
Graciliano Ramos, em Vidas Secas - (Capítulo IV - Sinhá Vitória)
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