"Uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada."
Charles Dickens (1812 - 1870) - Escritor Inglês

terça-feira, 30 de abril de 2013

O Menino, de Chico Anysio

O menino
Chico Anysio
"Vou fazer um apelo. É o caso de um menino desaparecido.
Ele tem 11 anos, mas parece menos; pesa 30 quilos, mas parece
menos; é brasileiro, mas parece menos.
É um menino normal, ou seja: subnutrido, desses milhares de meninos
 que não pediram pra nascer; ao contrário: nasceram pra pedir.
Calado demais pra sua idade, sofrido demais pra sua idade, com idade
demais pra sua idade. É, como a maioria, um desses meninos de 11 anos
 que ainda não tiveram infância. Parece ser menor carente, mas, se é, não
 sabe disso. Nunca esteve na Febem, portanto, não teve tempo de
aprender a ser criança-problema. Anda descalço por amor à bola.
Suas roupas são de segunda mão, seus livros são de segunda mão e
tem a desconfiança de que a sua própria história alguém já viveu antes.
Do amor não correspondido pela professora, descobriu que viver dói.
Viveu cada verso de "Romeu e Julieta", sem nunca ter lido a história.
Foi Dom Quixote sem precisar de Cervantes e sabe, por intuição, que
o mundo pode ser um inferno ou uma badalação, dependendo se ele é
visto pelo Nelson Rodrigues ou pelo Gilberto Braga.
De seu, tinha uma árvore, um estilingue zero quilômetro e um pássaro
 preto que cantava no dedo e dormia em seu quarto.
Tímido até a ousadia, seus silêncios grita$nos cantos da casa e seus
 prantos eram goteiras no telhado de sua alma.
Trajava, na ocasião em que desapareceu, uns olhos pretos muito assustados
 e eu não digo isso pra ser original: é que a primeira coisa que chama a
atenção no menino são os grandes olhos, desproporcionais ao
tamanho do rosto. Mas usava calças curtas de caroá, suspensórios de
elástico, camisa branca e um estranho boné que, embora seguro pelas
 orelhas, teimava em tombar pro nariz. Foi visto pela última vez com uma
pipa na mão, mas é de todo improvável que a pipa o tenha empinado.
Se bem que, sonhador de jeito que ele é, não duvido nada. Sequestrado,
não foi, porque é um menino que nasceu sem resgate.
Como vocês veem, é um menino comum, desses que desaparecem
às dezenas todas os dias.
Mas se alguém souber de alguma notícia, me procure, por favor,
porque... ou eu encontro de novo esse menino que um dia eu fui,
ou eu não sei o que vai ser de mim."

> Via: O GLOBO.

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