"Uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada."
Charles Dickens (1812 - 1870) - Escritor Inglês

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Sutilezas Literárias # 053 - Richard Bach

(...)
" A mesma regra mantém se para os que aqui estão agora, é claro: escolheremos o nosso próximo mundo através daquilo que aprendermos neste. Não aprender nada significa que o próximo mundo será igual a este, com as mesmas limitações e pesos de chumbo a vencer.
Abriu as asas e, voltando-se de frente para o vento, continuou:

— Mas você, Fernão, aprendeu tanto de uma só vez que não teve de passar por mil vidas para chegar a esta.

Um instante depois estavam de novo no ar, treinando. A formação "point roll" era difícil, pois na posição invertida Fernão tinha de pensar de cabeça para baixo, virando a curva da asa ao contrário, mas virando-a em perfeita harmonia com a do seu instrutor.

— Vamos tentar outra vez — repetia Henrique, incansável. — Vamos tentar outra vez. — E, finalmente: — Está bom.

E começaram a praticar "loops" exteriores.
Uma noite, as gaivotas que não praticavam o vôo noturno juntaram-se na praia, para pensar. Fernão reuniu toda a sua coragem e dirigiu-se à gaivota mais velha, que, segundo diziam, devia passar em breve para outro mundo.

— Chiang... — começou ele, um pouco nervoso.

A velha gaivota olhou-o com bondade.

— Diga, meu filho.

Em vez de enfraquecer, a idade dera força ao Mais Velho. Em voo batia qualquer gaivota do bando, e aprendera perícias de que os outros só muito lenta e gradualmente começavam agora a aperceber-se.

— Chiang, este mundo não é o paraíso, é?

O Mais Velho sorriu ao luar:

— Você está aprendendo outra vez, Fernão Gaivota.

— Bem, e o que é que acontece depois disso? Para onde vamos? Não há um lugar chamado paraíso?

— Não, Fernão, não há tal lugar. O paraíso não é um lugar nem um tempo. O paraíso é ser perfeito. — Ficou em silêncio durante um momento. — Você voa com muita velocidade, não voa?

— Eu... Eu gosto da velocidade — respondeu Fernão, surpreendido mas orgulhoso de que o Mais Velho o tivesse notado.

— Você começará a se aproximar do paraíso no momento em que alcançar a velocidade perfeita. E isso não é voar a mil e quinhentos quilômetros por hora, nem a um milhão e quinhentos mil, nem voar à velocidade da luz. Porque nenhum número é um limite, e a perfeição não tem limites. A velocidade perfeita, meu filho, é estar ali.

Sem avisar, Chiang evaporou-se e apareceu à borda da água, à distância de quinze metros, numa centelha de instante. Depois evaporou-se outra vez e surgiu ao lado de Fernão, no mesmo milésimo de segundo.

— É divertido — comentou.

Fernão ficou atordoado. Esqueceu-se de fazer perguntas acerca do paraíso.

— Como é que se faz isso? O que é que se sente? A que distância se pode ir?

— Desde que você o deseje, pode ir a qualquer lugar e a qualquer momento — disse-lhe o Mais Velho. — Que me lembre, já fui a todos os lugares e a todos os momentos. — Olhou o mar, pensativo. — É estranho... As gaivotas que desprezam a perfeição por amor ao movimento não chegam a parte alguma, devagar. As que ignoram o movimento por amor à perfeição chegam a toda parte, instantaneamente. Lembre-se, Fernão, o paraíso não é um lugar nem um tempo, porque lugar e tempo não significam nada. O paraíso é ...

— Pode ensinar-me a voara assim?

Fernão Gaivota tremia de ansiedade por conquistar outro desconhecido.

— Claro, se você desejar aprender. " (...)


Richard Bach, em "Fernão Capelo Gaivota"
Páginas: 76, 77, 90, 91 e 93. 
Tradução: Antônio Ramos Rosa e Madalena Rosález
Editora Nórdica

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