(...)
"Em Berlim havia mesas postas na rua, e, de vez em quando, ao caminhar
para casa vindo da escola com Karl, Daniel e Martin, via homens e
mulheres sentados nessas mesas, bebendo refrescos espumantes e rindo
alto; as pessoas sentadas naquelas mesas deviam ser muito engraçadas,
ele costumava pensar, porque, não importava o que dissessem, alguém
sempre ria. Porém, havia algo a respeito da casa nova que fazia Bruno
pensar que ninguém jamais ria por lá; que não havia motivo para riso e nada
com que se alegrar.
“Acho que isso foi uma má ideia”, disse Bruno algumas
horas depois de terem chegado, enquanto Maria estava desfazendo suas
malas no andar de cima. (Maria não era a única criada na casa, inclusive:
havia outras três, bastante magras e que só se comunicavam por
meio de sussurros. Havia também um velho que, segundo lhe disseram,
deveria preparar lhes os legumes todo dia e servi-los à mesa, e cujo
semblante era sempre infeliz, mas também um pouco bravo.)
“Não temos o luxo de achar coisa alguma”, disse a mãe, abrindo a caixa
que continha o jogo de sessenta e quatro taças com o qual o vovô e a
vovó a haviam presenteado por ocasião do casamento com o pai.
“Há pessoas que tomam todas as decisões em nosso nome.”
Bruno não sabia o que ela queria dizer com isso e fingiu que a mãe nada
dissera. “Acho que isso foi uma má ideia”, ele repetiu. “Acho que o
melhor a fazer seria esquecer tudo isto e simplesmente voltar para casa.
Podemos considerar que valeu como experiência”,
acrescentou ele, frase que aprendera recentemente e que estava
determinado a empregar com a maior freqüência possível.
A mãe sorriu e depositou os copos cuidadosamente sobre a mesa.
“Tenho mais uma frase para você aprender”, ela disse. “É a seguinte:
temos que procurar fazer o melhor de uma situação ruim.”
“Bem, eu não sei se temos mesmo”, disse Bruno. “Acho que você
devia dizer ao papai que você mudou de idéia e que, bem, se tivermos de
ficar aqui pelo resto do dia e jantar aqui esta noite e dormir aqui já que
estamos cansados da viagem, então tudo bem, mas seria melhor
levantar bem cedo amanhã, se quisermos chegar a Berlim antes da
hora do chá.”
A mãe suspirou. “Bruno, por que você não sobe logo
e vai ajudar a Maria a desfazer as suas malas?”, ela perguntou.
“Mas não faz sentido desfazer as malas se nós só vamos...”
“Bruno, vá logo, por favor!”, disse ela, ríspida, pois aparentemente não
havia problema se ela o interrompesse, embora na situação contrária não
funcionasse assim. “Estamos aqui, já chegamos, e este será nosso lar
durante o futuro previsível, e é melhor que tentemos aproveitar o que for
possível. Está entendendo?”
Ele não sabia o que queria dizer “futuro previsível” e disse isto a ela.
“Significa que é aqui que nós moramos agora, Bruno”, disse a mãe.
“E chega deste assunto.”
Bruno sentiu uma dor na barriga e percebeu algo crescendo dentro dele,
alguma coisa que, quando conseguisse sair das maiores profundezas
de dentro dele até o mundo exterior, o faria gritar e berrar que tudo
aquilo era errado e injusto e um grande engano pelo qual alguém haveria
de pagar algum dia, ou, em vez disso, simplesmente o faria desmanchar-se
em lágrimas. Ele não conseguia compreender como tudo acontecera.
Num dia ele estava perfeitamente alegre, brincando em casa, com os três
melhores amigos da vida toda, escorregando pelos corrimãos, tentando
ver toda a cidade de Berlim da ponta dos pés, e agora estava encalhado
nesta casa fria e desagradável, com três criadas sussurrantes e um
servente que era a um só tempo infeliz e bravo, onde ninguém parecia
ser capaz de rir novamente". (...)
John Boyne, em "O Menino do Pijama Listrado"
Capítulo 2, 'A Casa Nova' - Editora Cia das Letras
Tradução de: Augusto Pacheco Calil
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