A Lua Vem da Ásia
Campos de Carvalho
José Olympio Editora
José Olympio Editora
189 páginas
“...o homem privado da sua
liberdade de pensar e de amar vale
menos do que a sua sombra
num muro...” – pág.: 69
liberdade de pensar e de amar vale
menos do que a sua sombra
num muro...” – pág.: 69
Trata-se de um romance do escritor mineiro Campos de Carvalho, e foi publicado
pela primeira vez em 1956. Interessei-me pelo livro, primeiramente, quando li
tempos atrás, o trecho inicial do livro, um começo espetacular, desse romance
nonsense e surreal, um dos melhores da literatura brasileira. Eis o trecho referido:
“Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima
defesa – e qual defesa seria mais legítima? – logrei ser absolvido por
cinco votos contra dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora
nunca tenha estado em Paris. Deixei crescer a barba em pensamento,
comprei um par de óculos para míope, e passava as noites espiando
o céu estrelado, um cigarro entre os dedos. Chamava-me então
Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois Ruy Barbo, depois
finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo.”
defesa – e qual defesa seria mais legítima? – logrei ser absolvido por
cinco votos contra dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora
nunca tenha estado em Paris. Deixei crescer a barba em pensamento,
comprei um par de óculos para míope, e passava as noites espiando
o céu estrelado, um cigarro entre os dedos. Chamava-me então
Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois Ruy Barbo, depois
finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo.”
É uma história surrealista. O autor apresenta-nos o diário de um homem
que se chama Astrogildo, mas como se diz no trecho acima, nem ele tem
certeza do próprio nome. Ele está (ou acha que está) hospedado em um
hotel de luxo, mas depois desconfia que talvez seja um campo de
concentração, e logo depois, imagina que se trata de um manicômio.
A loucura é o tema central do romance, entre memórias e recordações,
Astrogildo narra suas aventuras, em que descreve suas passagens
(ou pretensas passagens), por diversas cidades do mundo, entre
devaneios e alucinações, traz esses relatos da viagem de um louco
pelos descaminhos de seu pequeno universo particular. O livro se divide
em duas partes: "Vida Sexual dos Perus" e "Cosmogonia".
Na primeira parte os títulos dos capítulos são um ‘capítulo à parte’
(com o perdão do trocadilho), o autor começa com: Capítulo Primeiro,
depois segue: Capítulo 18, Capítulo Doze, (Sem Capítulo),
Capítulo sem Sexo, Capítulo 99, Capítulo Vinte, Capítulo I (novamente),
e por aí vai... Na segunda, os capítulos são as letras do alfabeto:
de “A” até “N”, depois o último é intitulado: “O.P.Q.R.S.T.U.V.X.Y.Z.”,
encerrando assim suas descrições insanas, mas, talvez mais sã,
do que nossa sanidade cotidiana.
No capítulo 99, página 37, o narrador escreve seus aforismos, eis alguns:
- Os homens, as pulgas e as ratazanas se assemelham nisto: que
hoje estão vivos mas amanhã estarão mortos, irremediavelmente
mortos, e para sempre.
- A mulher do gerente é vesga mas tem um belo par de pernas, o que
não deixa de ser uma compensação. (Não, isto não chega a ser
propriamente um aforismo.)
- À noite a lua vem da Ásia, mas pode não vir, o que
demonstra que nem tudo neste mundo é perfeito.
- As flores têm o perfume que a terra lhes dá sem ser perfumada.
Assim, também nós devemos dar a nossos atos aquilo que não
trazemos em nós mas de que somos realmente capazes, e que não
morrerá com a nossa morte.
O efeito cômico do livro é certeiro, muito engraçado. O romance é
muito bom, original, irreverente, inteligente e de um humor refinado.
Gostei muito do livro, uma adorável e singular surpresa.
A Lua Vem da Ásia, é um dos marcos da ficção brasileira, embora
desconhecido do grande público leitor brasileiro. Fica a dica!
Em 2011, o ator Chico Diaz, adaptou e interpretou “A lua vem da Ásia”,
um monólogo, dirigido por Moacir Chaves.
Walter Campos de Carvalho é mineiro de Uberaba, nasceu em
novembro de 1916, e faleceu em abril de 1998, em São Paulo.
Colaborou com “O Pasquim” e “O Estado de São Paulo”.
Obras do autor:
Banda Forra, ensaios humorísticos (1941)
Tribo, romance (1954)
A Lua vem da Ásia, romance (1956)
Vaca de Nariz Sutil, romance (1961)
A Chuva Imóvel, romance (1963)
O Púcaro Búlgaro, romance (1964)
Cartas de Viagens e Outras Crônicas (2006)
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