O Rei dos Animais
Millôr Fernandes
Saiu o leão a fazer sua pesquisa estatística, para verificar se ainda era o Rei
das Selvas. Os tempos tinham mudado muito, as condições do progresso
alterado a psicologia e os métodos de combate das feras, as relações de
respeito entre os animais já não eram as mesmas, de modo que seria
bom indagar. Não que restasse ao Leão qualquer dúvida quanto à
sua realeza. Mas assegurar-se é uma das constantes do espírito humano,
e, por extensão, do espírito animal. Ouvir da boca dos outros a consagração
do nosso valor, saber o sabido, quando ele nos é favorável, eis um prazer
dos deuses. Assim o Leão encontrou o Macaco e perguntou: "Hei, você aí,
macaco - quem é o rei dos animais?" O Macaco, surpreendido pelo rugir
indagatório, deu um salto de pavor e, quando respondeu, já estava no mais alto
galho da mais alta árvore da floresta: "Claro que é você, Leão, claro que é você!".
Satisfeito, o Leão continuou pela floresta e perguntou ao papagaio:
"Currupaco, papagaio. Quem é, segundo seu conceito, o Senhor da
Floresta, não é o Leão?" E como aos papagaios não é dado o dom de
improvisar, mas apenas o de repetir, lá repetiu o papagaio: "Currupaco...
não é o Leão? Não é o Leão? Currupaco, não é o Leão?".
Cheio de si, prosseguiu o Leão pela floresta em busca de novas
afirmações de sua personalidade. Encontrou a coruja e perguntou:
"Coruja, não sou eu o maioral da mata?" "Sim, és tu", disse a coruja. Mas
disse de sábia, não de crente. E lá se foi o Leão, mais firme no passo,
mais alto de cabeça. Encontrou o tigre. "Tigre, - disse em voz de estentor
- eu sou o rei da floresta. Certo?" O tigre rugiu, hesitou, tentou não
responder, mas sentiu o barulho do olhar do Leão fixo em si, e
disse, rugindo contrafeito: "Sim". E rugiu ainda mais mal humorado e
já arrependido, quando o leão se afastou.
Três quilômetros adiante, numa grande clareira, o Leão encontrou
o elefante. Perguntou: "Elefante, quem manda na floresta, quem é
Rei, Imperador, Presidente da República, dono e senhor de árvores
e de seres, dentro da mata?" O elefante pegou-o pela tromba, deu três
voltas com ele pelo ar, atirou-o contra o tronco de uma árvore e
desapareceu floresta adentro. O Leão caiu no chão, tonto e
ensanguentado, levantou-se lambendo uma das patas, e murmurou:
"Que diabo, só porque não sabia a resposta não era preciso ficar tão zangado".
MORAL: CADA UM TIRA DOS ACONTECIMENTOS A
CONCLUSÃO QUE BEM ENTENDE.
Texto foi extraído do livro: "Fábulas Fabulosas", editado por José Álvaro -
Rio de Janeiro, 1964, pág. 23.
> Via: Pensador
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