"Uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada."
Charles Dickens (1812 - 1870) - Escritor Inglês

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Sutilezas Literárias # 037 - Brian Selznick

"Do seu esconderijo atrás do relógio, Hugo podia ver tudo. 
Esfregava nervosamente os dedos no caderninho em seu bolso e dizia 
a si mesmo para ter paciência. O velho na loja de brinquedos estava 
discutindo com a menina. Ela devia ter a mesma idade de Hugo, e ele
 frequentemente a via entrar na loja com um livro debaixo do braço e 
desaparecer atrás do balcão. Hoje o velho parecia agitado. Será que
 descobriu que alguns de seus brinquedos sumiram? Bem, já não era
 possível fazer nada sobre isso agora.



Hugo precisava dos brinquedos. O velho e a menina discutiram um
 pouco mais e, por fim, ela fechou o livro e saiu correndo. Felizmente, 
em poucos minutos o velho tinha cruzado os braços sobre a barriga e
 fechado os olhos. Hugo se arrastou através das paredes, saiu por 
uma entrada de ventilação e disparou pelo corredor até alcançar 
loja de brinquedos. Nervoso, esfregou o caderninho mais uma vez e 
então, cautelosamente, envolveu com a mão o brinquedo de 
corda que desejava.

Mas de repente houve um movimento dentro da loja, e o velho 
adormecido voltou para a vida. Antes que Hugo pudesse correr, o 
velho o agarrou pelo braço. O ratinho azul de corda que Hugo tinha 
apanhado se soltou de sua mão, deslizou pelo balcão e caiu no 
piso com um estalo.

— Ladrão! Ladrão! — gritou o velho para o corredor vazio. 
— Alguém chame o inspetor da estação!

A menção ao inspetor fez Hugo entrar em pânico. 
Contorceu-se e tentou fugir, mas o velho apertava seu braço 
com força e não deixava que ele escapasse.

— Até que enfim te peguei! Agora esvazie os bolsos.

Hugo rosnou feito um cachorro. Estava furioso consigo mesmo 
por ter sido apanhado. O velho puxou ainda mais, até Hugo ficar 
praticamente na ponta dos pés.

— O senhor está me machucando!
— Esvazie os bolsos!

Relutante, Hugo tirou, um a um, dezenas de objeto dos bolsos: 
parafusos, pregos e lascas de metal, porcas e cartas de baralho 
amassadas, pecinhas de relojoaria e rodas dentadas. Mostrou 
uma caixa de fósforos esmagada e algumas velinhas.

— Falta um bolso ainda… — disse o velho.
— Não tem nada nele!
— Então coloque ele do avesso.
— Não estou com nada seu! Me solte!
— Onde está o inspetor? — gritou o velho mais uma vez para o corredor. 
— Por que ele nunca vem quando é preciso?

Se o inspetor da estação aparecesse, com seu uniforme verde, 
no final do corredor, Hugo sabia que tudo estaria acabado. 
O menino se debateu contra o velho, mas em vão. 
Por fim, Hugo enfiou a mão trêmula no bolso e de lá tirou seu 
caderninho de papelão surrado. A capa estava lisa de tão esfregada.

Sem relaxar o aperto no braço do menino, o velho agarrou o
 caderninho, levou-o para longe do alcance de Hugo, abriu e o folheou. 
Uma página chamou sua atenção.

— Me devolve isso! É meu! — gritou Hugo.
— Fantasmas… — murmurou o velho para si mesmo.
— Eu sabia que mais cedo ou mais tarde eles me achariam aqui. 
Fechou o caderninho. A expressão em seu rosto mudava 
rapidamente, de medo para tristeza, de tristeza para raiva.

— Quem é você, garoto? Foi você que fez esses desenhos?
Hugo não respondeu.
— Eu perguntei: foi você que fez esses desenhos?
Hugo rosnou novamente e cuspiu no chão.

— De quem você roubou esse caderno?
— Não roubei.
O velho grunhiu e, com um safanão, soltou o braço de Hugo.

— Me deixe em paz, então! Fique longe de mim e da minha loja.

Hugo esfregou o braço e deu um passo atrás, esmagando sem
 querer o rato de corda que tinha caído no chão. O velho se arrepiou 
ao som do brinquedo sendo quebrado.
Hugo apanhou as peças fragmentadas e as colocou sobre o balcão.

— Não vou embora sem o meu caderno.
— Não é mais o seu caderno. É meu, e vou fazer com ele o que
 eu quiser. O velho balançou no ar a caixa de fósforos de Hugo.
— Talvez eu ponha fogo nele!
— Não!
O velho recolheu tudo que caíra dos bolsos de Hugo, 
incluindo o caderninho. Colocou tudo num lenço, deu 
um nó e o cobriu com as mãos.

— Então me fale dos desenhos. Quem fez?
Hugo nada disse. O velho deu um soco com o punho no 
balcão, fazendo tremer todos os brinquedos.
— Saia já daqui, seu ladrãozinho!
— O senhor é o ladrão! — gritou Hugo enquanto se virava e saía 
correndo. O velho gritou alguma coisa atrás dele, mas tudo o que
 Hugo ouvia era o toque-toque de seus sapatos ecoando
 pelas paredes da estação."


Brian Selznick, em "A Invenção de Hugo Cabret"
530 páginas, Editora SM.

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