fala-se bem da formiga,
pois que uma canta e farra
e outra em labor se fatiga.
Diz-se que uma só gasta,
e a outra guarda o que tem,
e em sua riqueza vasta
não quer ajudar ninguém.
É uma história que se narra,
sem graça, de tão antiga,
e nela nem a cigarra
se envolve, nem a formiga.
Ambas nada têm com isso
que seu La Fontaine inventa,
com um fundo moral cediço
de uma fábula odienta.
Cada qual cumpre a missão
que lhes deu a natureza;
nada têm com o que dirão
contra a cigarra indefesa.
Querem por força lançar
cigarra contra formiga,
a fingir-se um falso ar
de tradição inimiga.
Cigarra e formiga juntas
vivem, dando o que falar,
mas não respondem perguntas
de um mundo raso e vulgar.
Elas estão muito acima
do que nossa vida engana,
e nenhuma se aproxima
de nossa atitude humana.
Não é com cigarra alguma
nem com formiga qualquer
que alguém, a seu modo, assuma
a tolice que quiser.
Sem nunca cometer falha,
sem descuidar-se um instante
é que a formiga trabalha
para que a cigarra cante.
O canto é tão necessário
quanto o labor. E entre os dois
não se sabe, em seu fadário,
quem vem antes ou depois.
O homem, com braço e garganta,
suaviza a sua batalha,
e trabalha, enquanto canta
e canta, enquanto trabalha.
O canto é irmão do labor
e, irmãos, se dão por completos,
jamais iriam propor
uma disputa de insetos.
Deixe-se a cigarra em paz,
deixe-se em paz a formiga,
e seja o homem capaz
de amar trabalho e cantiga.
Não há povo que não cante
nem povo que não trabalhe,
e a poesia é reinante,
no todo em cada detalhe.
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